Conforme a definição clássica, que consta no parágrafo 2538 do Catecismo da Igreja Católica, a inveja é a tristeza sentida diante do bem do outro. Diante disto notamos que a marca da inveja é a tristeza, mas não aquela causada por algo de ruim que tenha acontecido (uma doença, a morte de alguém querido, etc.), mas por algo de bom, ou seja, o bem ou o dom do outro. Notamos, então, que o invejoso é infeliz! Deus nosso Pai, que deseja nossa felicidade, quer justamente que sejamos livres deste mal, que, aliás, é bastante comum. Logicamente uns mais, outros menos, mas todos os homens já sofreram deste mal.
Sendo assim, vamos entender um pouco a inveja e suas causas, bem como os meios que Deus nos dá para tratá-la.
Conforme São Tomás de Aquino, a inveja tem como característica o fato de que o bem alheio é considerado um mal próprio. A tristeza advém do fato de que ao olharmos o bem do outro que não temos, nos sentimos menores ou inferiores a ele, e o julgamos feliz em razão desse bem. Com isso, o coração que alimenta a inveja vai se tornando triste, inconformado com o que não tem, o que leva à revolta ou a um estado constante e doentio de competição com o outro, a ponto de chegar a odiar e até desejar o mal ao invejado, pois o invejoso não se contenta com a própria tristeza mas quer ver o outro mais triste do que ele próprio. Por fim, este estado da alma leva a pessoa à depressão, ao desânimo, a perder o sentido da vida, que passa a ser vista somente pelo ângulo daquilo que não se tem, de modo que o invejoso é um eterno descontente com tudo e com todos.
A inveja é como uma árvore que tem raízes e frutos. A raiz da inveja é a vanglória, que por sua vez, conforme São Tomás de Aquino, tem a sua raiz no orgulho. A vanglória é o desejo de se destacar em função do brilho e não do bem em si mesmo, do sucesso ou o bem alcançado, de modo que o sucesso passa a ser a meta de vida, a ponto de se fazer qualquer coisa para alcançá-lo. Não que o sucesso seja ruim, ele é bom, mas não se pode viver em função dele, ou seja, nossa felicidade não está em função do sucesso ou dos bens e sim em função de nossa comunhão com Deus.
Por outro lado, os frutos da inveja são: a maledicência, que consiste em falar mal e difamar, normalmente injustamente, a pessoa invejada, com o simples objetivo de destruir ou rebaixá-la; a competição vaidosa, que consiste em estar sempre se comparando com o outro e com isto iniciar uma competição constante, cujo objetivo é simplesmente estar por cima, custe o que custar; a insatisfação constante, pois o invejoso acha que a felicidade está sempre “na casa do vizinho”, e é incapaz de se satisfazer com aquilo que tem; e por fim, o ódio à bondade que consiste em levar a sociedade a aceitar o mal e o pecado como normal, pois aquele que está afundado no pecado traz dentro de si a inveja da santidade e bondade dos outros, na forma de uma tristeza raivosa do bem, porque essa bondade os acusa de sua maldade.
Como diz São Paulo em sua carta a Tito: “Porque também nós outrora éramos insensatos, rebeldes… vivendo na malícia e na inveja” (1). Essa insensatez consiste justamente na incapacidade de perceber que a inveja leva a uma vida infeliz, pois por mais que tenhamos, nunca teremos tudo, ou seja, sempre haverá algo que invejar. Mas nós somos chamados a fazer a experiência do Amor de Deus, que pode nos curar e libertar do mal da inveja, na medida em que, alimentados pela Graça, optamos pelo caminho da felicidade e trabalhamos em nós para arrancar toda raiz de inveja que há em nosso coração.
Conforme Francisco Faus coloca em seu livro “A Inveja”, o invejoso é como um beija-flor que entra em uma sala com cinco portas de vidro, mas sem saber distinguir quais estão abertas, ele insiste em sair exatamente pela que está fechada, a porta da inveja, até que de tanto bater no vidro, cai semimorto no chão, sem perceber que há outras quatro portas abertas, que conduzem à verdadeira liberdade e felicidade.
A primeira porta é chamada a PORTA DA GRATIDÃO, que nos ensina que na vida, ao invés de motivo para inveja, temos motivos para gratidão. São Paulo nos ensina em sua carta aos Efésios: “Rendei graças sem cessar e por todas as coisas a Deus Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo” (2). Sem dúvida, esse é um ensinamento, e diria até, uma ordem de São Paulo, que nos leva para a liberdade de filhos de Deus, de filhos que confiam no amor do Pai, pois, como dizia são Josemaria Escrivá, o fundador do Opus Dei: “De Deus não me pode vir mal algum”, e “Que estejam tristes, os que não se sabem filhos de Deus, os que não se sabem amados por Deus”.
A segunda porta é a FIDELIDADE À NOSSA VIDA, que significa que temos que valorizar e tirar o máximo proveito do que temos, e não nos lamentar pelo que não temos. Junto com a gratidão, sendo fiéis à nossa vida, saberemos aproveitar e fazer frutificar o que Deus nos dá, ao invés de ficarmos olhando para o que os outros têm, o que não nos levará a lugar algum, além da tristeza e frustração.
A terceira porta é o AMOR GENEROSO, pois a Caridade, assim como a inveja, tem como objetivo o bem do próximo, porém em sentido oposto, pois a caridade se alegra com o bem do outro, enquanto a inveja se entristece. Sendo assim, como caminham em sentidos opostos, a caridade é um antídoto da inveja, pois aquele que ama se alegra com a riqueza, o sucesso e a grandeza do amado, de tal modo que a inveja não tem lugar onde há o amor.
A quarta porta: AS BEM-AVENTURANÇAS. Cristo sabia da sede da felicidade que há no coração de cada homem, de cada mulher, por isso Ele inicia Sua pregação com o famoso Sermão da Montanha (3), em que Ele nos dá o caminho para a felicidade, segundo o projeto de Deus, que está baseado no amor verdadeiro, que é oposto ao que o mundo hoje nos propõe, que está baseado no orgulho, que, como já vimos, é a raiz da inveja.
Em suma, se tivermos a coragem de optar pelo caminho traçado por Cristo nas Bem-Aventuranças, iremos vencendo a inveja e consequentemente toda a tristeza que ela traz consigo, até que a felicidade anunciada por Cristo se realize em nossas vidas.
O que cabe a cada um de nós é sinceridade e honestidade, de modo a reconhecermos o quanto de inveja há em nossos corações, para, a partir daí, confiantes na misericórdia de Deus, buscar nos lançar nas portas que Ele mesmo nos abriu, para que sejamos o que Ele quer: felizes!
Fernando Botelho de Andrade
(1) Tt 3, 3.
(2) Ef 5, 20.
(3) Mt 5, 1ss
Baseado no livro “A Inveja” de Francisco Faus, editora Quadrante.