quinta-feira, 24 de maio de 2012
QUANDO A FÉ SE TORNA PEQUENA, AS DIFICULDADES AGIGANTAM-SE
Quando a fé se torna pequena, as dificuldades agigantam-se: “A fé viva depende da capacidade que eu tenha de responder afirmativamente a esse Deus que me chama e quer tratar-me e ser meu amigo, a grande companhia da minha vida. Portanto, se eu lhe digo ‘sim, aqui estou’ (...), se passo a viver ao Seu lado, robusteço a minha fé, porque a minha fé alicerça-se em Deus (...). Pelo contrário, se me distancio de Deus, se O esqueço, se O empurro para a periferia da minha vida, e esta submerge naquilo que é puramente material e humano; se me deixo arrastar pelas evidências imediatas e Deus se desvanece da minha alma, como posso ter uma fé viva? Se não procuro o trato íntimo com Cristo, o que é que resta da minha fé? Por isso, temos de concluir que, em última instância, todos os obstáculos à vida de fé se reduzem na sua gênese a um afastamento de Deus, a um separar-se de Deus, a um deixar de conviver com Ele num trato face a face”.
Nos perigos, nos tropeços, nas dúvidas, é para Cristo que devemos olhar: Corramos com perseverança para o combate que nos é proposto, pondo os olhos no Autor e consumador da fé, Jesus, podemos ler na Epístola aos Hebreus.
Mais ainda, junto de Cristo, os conflitos e trabalhos que encontramos quase todos os dias fortalecem-nos a fé, firmam-nos a esperança e unem-nos mais a Ele. Acontece conosco o mesmo que com “as árvores que crescem em lugares sombreados e livres de ventos: enquanto se desenvolvem externamente com um aspecto próspero, tornam-se fracas e moles, e facilmente são atacadas por qualquer coisa; mas as árvores que vivem nos cumes dos montes mais altos, sacudidas por muitos ventos e constantemente expostas à intempérie e a todas as inclemências, agitadas por fortíssimas tempestades e frequentemente cobertas por neves, tornam-se mais robustas que o ferro”.
Se vemos que submergimos, que as dificuldades ou a tentação são superiores à nossa capacidade de resistência, recorramos a Cristo: Senhor, salva-me! E Cristo estender-nos-á a Sua mão poderosa e segura, e passaremos incólumes por todos os perigos e tribulações.
O Senhor tem sempre a Sua mão estendida, para que nos agarremos a ela. Nunca permite que nos afundemos, se fazemos o pouco que está ao nosso alcance. Além disso, colocou ao nosso lado um Anjo da Guarda, para que nos proteja de todas as adversidades e seja uma ajuda poderosa no nosso caminho para o Céu.
Procuremos a Sua amizade, recorramos a Ele com frequência ao longo do dia, peçamos-Lhe ajuda nas coisas grandes e pequenas, e alcançaremos a fortaleza de que necessitamos para vencer.
Falar com Deus
Deus te abençoe!
Pe. Luiz Gilderlane.
BENIGNIDADE
A benignidade é, antes de mais nada, um especial modo de ver os outros. Para expressá-lo de maneira simples, poderíamos dizer que é benigno aquele que enxerga o próximo “com bons olhos”, e isto significa que possui uma inclinação habitual para fixar a sua atenção no “lado bom” das pessoas. Dentro do seu coração, está convencido de que não há nenhuma criatura que não tenha valor. Percebe amorosamente que em cada ser humano, de um modo ou de outro, encontram-se as sementes, o latejar do bem. Pois todo o homem, por mais deficiente que seja, conserva – mesmo por entre as mais densas sombras do pecado – a “imagem de Deus”, uma “imagem” que pode e deve ser amada.
“Dentro do avarento mais egoísta – dizia Paul Claudel –, no interior da pior prostituta e do mais indecente bêbado há uma alma imortal, santamente ocupada em respirar e que, não podendo fazê-lo de dia, ao menos no repouso do sono pratica a sua adoração noturna”. No interior do mais degradado pecador – poderíamos acrescentar – há um santo à espera de que o despertem. E só poderá acordá-lo o amor, o respeito e a confiança de um coração bom.
A BONDADE NÃO DESPREZA NINGUÉM
Uma atitude que se situa do lado contrário da benignidade é o desprezo. Quando Cristo quis desmascarar a “bondade” hipócrita dos fariseus, começou por dizer que havia uns homens que confiavam em si mesmos, como se fossem justos, e desprezavam os outros (Lc 18, 9).
O fariseu despreza precisamente porque se considera justo, porque é orgulhoso. Ao julgar-se perfeito e gabar-se das suas pretensas perfeições, considera inferiores aqueles que, em seu conceito, não as possuem: “Não sou como os outros homens”, diz, inchado de autocomplacência.
É próprio do orgulhoso manifestar uma irritada intolerância com os defeitos do próximo. Tal é o caso do homem que se aborrece porque a mulher, o colega ou os filhos são desordenados, ou distraídos e lerdos, ou pouco inteligentes, inoportunos, teimosos, rebeldes... Admirando-se a si mesmo como a um “deus”, julga intolerável que os demais não sejam “à sua imagem e semelhança”. Por isso, está continuamente a lançar-lhes em rosto, de modo humilhante, os defeitos que é incapaz de compreender: “Você nunca faz nada direito”, “parece mentira que não tenha um pingo de sensatez”, “não há quem o aguente”...
Com essa incapacidade para a compreensão, é natural que o orgulhoso se canse, e esse cansaço em face dos demais é outra forma – não menos dolorosa – de menosprezo. Frases como “já chega”, “não dá mais”, “desisto de tentar”, aplicadas ao próximo, indicam que a bondade fracassou dentro do coração de quem as pronuncia. A “decepção” é a morte da bondade.
Mas, vejamos com calma. Por que nos sentimos decepcionados com alguém? Será, porventura, porque o amamos? Não, certamente. É porque nos amamos demasiado a nós mesmos, porque nos adoramos como a um pequeno ídolo ridículo, e por isso exigimos dos outros as qualidades que nos satisfazem e que “servem” a nossa satisfação.
Há, por exemplo, pais que se sentem decepcionados com os seus filhos porque não conseguiram moldá-los como argila, de acordo com o modelo que idealizaram para a sua satisfação pessoal. Tinham feito, como um cineasta, o “roteiro” da vida do “filho ideal”, prevendo todas as etapas e calculando todos os detalhes. E eis que os filhos, usando da sua liberdade – e, às vezes, secundando o plano que Deus preparou para eles – rasgam o “roteiro” do pai (“ai seguir a mesma carreira que eu, vai trabalhar comigo, vai ser rico e importante”, etc.) e traçam o seu próprio caminho. Nessa altura, o pai sente que foram cortados os fios com que pretendia comandar os filhos como marionetes, e mergulha na decepção. Mesmo as mais belas opções de vida feitas pelos filhos, se estão à margem do “roteiro” paterno – por exemplo, dedicar-se inteiramente a Deus, escolher uma profissão menos brilhante, mas mais aberta ao serviço do próximo, abraçar ideais de pesquisa científica ou de arte –, parecem-lhe tolices, idealismos estúpidos que vão estragar-lhes a vida. Na realidade, estão estragando apenas os sonhos egoístas do pai.
Também nos cansamos e decepcionamos facilmente com os outros porque não corrigem os seus defeitos – defeitos reais, falhas objetivas – com a rapidez que nós desejaríamos. Uma e outra vez reincidem nas mesmas faltas, continuam com as mesmas reações, mantêm inalteradas as arestas do seu caráter. Então, desanimados, só sabemos recriminar, repetindo como um disco rachado: “ele fala demais, esquece tudo, chega atrasado, não me escuta, gasta sem controle”, etc., etc. E, ao pensarmos nesses defeitos sempre reiterados, sentimo-nos com o direito de dizer: “Isso cansa”. Daí a desistir de compreender e ajudar há só um passo, o passo que o “cansado” acaba dando quando se rende à decepção e conclui: “Não tem conserto”. Extinguiu-se então a confiança e instalou-se no coração o desprezo.
ATENÇÃO AMOROSA
Não desprezar. Aqui temos o que poderíamos chamar o “primeiro mandamento” da benignidade. Valorizar e confiar, esta é a versão positiva desse mandamento.
Uma das manifestações mais comoventes da bondade de Cristo é a sua infinita capacidade de prestar uma atenção amorosa e confiante a todos, mesmo aos que parecem mais pervertidos e irrecuperáveis. É uma atitude que vemos a cada passo nos relatos evangélicos, ao contemplarmos o modo acolhedor e esperançado com que Cristo encara os pecadores, os miseráveis, todos aqueles que aparecem como o rebotalho imprestável do mundo.
Há, concretamente, uma passagem do Evangelho em que essa atitude se revela com grande transparência. São Lucas pinta a cena com os traços de um drama em que intervêm dois personagens, Cristo e um fariseu chamado Simão. Ambos contemplam o mesmo fato: a irrupção inesperada de uma mulher pecadora na casa do fariseu, onde Jesus estava à mesa juntamente com outros convidados. E eis que uma mulher, que era pecadora na cidade, quando soube que Ele estava à mesa em casa do fariseu, levou um vaso de alabastro cheio de bálsamo. Estando a seus pés, detrás d’Ele, começou a banhar-lhe os pés com lágrimas, enxugava-os com os cabelos da sua cabeça, beijava-os e ungia-os com bálsamo (Lc 7, 37-38). Aquela pobre mulher, tocada na alma pela divina bondade de Cristo, não sabe o que fazer para expressar a sua dor, o seu arrependimento.
Dois pares de olhos fixam-se especialmente nela: os do fariseu Simão e os de Cristo. Ambos observam a mesma cena, a mesma pessoa, os mesmos gestos. Mas veem coisas inteiramente diferentes.
O fariseu fixa na pecadora o olhar do desprezo: Vendo isto, o fariseu que o tinha convidado disse consigo: “Se este fosse profeta, com certeza saberia quem e qual é a mulher que o toca, e que é pecadora”. Simão só vê o “lado mau”.
Cristo, pelo contrário, dirige à pecadora o olhar do amor benigno. Mansamente, volta-se para o fariseu e diz-lhe: “Simão, tenho uma coisa a dizer-te”... E o que Cristo vai dizer-lhe, com um laivo de tristeza, é que Simão ainda não aprendeu a enxergar com bondade, ainda não aprendeu a apreciar o valor dos outros com uma “atenção amorosa”.
“Um credor – começa Cristo – tinha dois devedores: um devia-lhe quinhentos denários, o outro cinquenta. Não tendo eles com que pagar, perdoou a ambos a dívida. Qual deles, pois, mais o amará?”. O que equivale a dizer: Simão, onde tu vês um atrevimento despudorado, eu vejo amor. Esta pobre criatura chora a pena do arrependimento e a alegria do perdão.
E prossegue: “Vês esta mulher?...” – sim, é necessário, é importante conseguir “ver” os outros –, “Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés; e esta com as suas lágrimas banhou os meus pés e enxugou-os com os seus cabelos. Não me deste o beijo da paz, mas esta, desde que entrou, não cessou de beijar os meus pés. Não ungiste a minha cabeça com bálsamo, mas esta ungiu com bálsamo os meus pés. Pelo que te digo: São-lhe perdoados os seus muitos pecados porque muito amou.” (cfr. Lc 7, 40-47).
Como se percebe bem aqui o modo de olhar de Jesus! Mais do que ninguém, Cristo era capaz de penetrar no abismo de mal que o pecado cavara naquela alma. E mais do que ninguém, por ser Ele Deus – Deus feito homem –, podia sentir-se atingido pelo pecado, pois este é, acima de tudo, ofensa a Deus.
Nada disso, porém, passa para o primeiro plano no olhar de Cristo. Na escuridão do pecado que envolve a alma daquela mulher, não detém a vista no que O ofende; só vê brilhar – como a luz que cintila numa noite escura – a bondade que começa a desabrochar naquela alma dolorida. Apenas vê o “lado bom”, a raiz de bondade que está a despertar e que Ele pode e quer ajudar a crescer.
O fariseu, sem dúvida, teria expulsado asperamente a pecadora, e com isso certamente a teria ferido, teria abafado a sua esperança, tê-la-ia acorrentado, talvez para sempre, ao seu mal. Cristo estende-lhe a mão e a salva: “A tua fé te salvou; vai em paz” (Lc 7, 50).
Na atitude de Cristo encontramos matéria abundante para meditar.
Francisco Faus é licenciado em Direito pela Univerdade de Barcelona e Doutor em Direito Canônico pela Universidade de São Tomás de Aquino de Roma. Ordenado sacerdote em 1955, reside em São Paulo, onde exerce uma intensa atividade de atenção espiritual entre estudantes universitários e profissionais. Autor de diversas obras literárias, algumas delas premiadas, já publicou na coleção Temas Cristãos, entre outros, os títulos “O valor das dificuldades”, “O homem bom”, “Lágrimas de Cristo, lágrimas dos homens”, “Maria, a mãe de Jesus, a paciência”, “A voz da consciência” e “A paz na família”.
Deus te abençoe!
Pe. Luiz Gilderlane.
BERNARD NATHANSON. A CONVERSÃO DE UM ABORTISTA
O aborto e todo o seu séquito – da eutanásia aos “estoques” de embriões humanos congelados – são assuntos que nunca estarão definitivamente resolvidos, já que afetam o próprio sentido da vida humana. No atual momento da História, é nos Estados Unidos onde a divisão de forças entre a “cultura da morte” e a “civilização do amor” pode ser vista com mais clareza do que em qualquer outro lugar. Conversões como a do Dr. Bernard Nathanson – primeiro à causa pró-vida e depois à fé cristã – são altamente significativas, pois mostram a força das evidências científicas e o poder da oração. Além disso, manifestam a íntima conexão que existe entre Deus e a Lei natural inscrita por Ele na natureza humana. Quem reconhece e segue a Lei natural, muito possivelmente acabará encontrando Deus e a Igreja.
O ABORTO, TAL COMO ELE É
Muitos leitores conhecem em grandes traços a história do Dr. Nathanson. Em 1969 fundou com outras pessoas a Associação Nacional para a Revogação das Leis contra o Aborto (conhecida pela sigla NARAL. Quando mais tarde adotou o nome de Liga Nacional de Ação pelos Direitos Reprodutivos e do Aborto – National Reproductive and Abortion Rights Action League –, a sigla manteve-se). Foi Diretor do Centro de Saúde Reprodutiva e Sexual de Nova York, que na época era a maior clínica de abortos do mundo.
No final da década de 70, abandonou a militância a favor do aborto e chegou a ser um grande advogado da causa pró-vida, principalmente com o seu livro “Aborting America” (“A América que aborta”) e com o vídeo “The Silent Scream” (“O Grito Silencioso”). Este último constituiu uma verdadeira revolução: empregando a tecnologia médica, mostrou de forma definitiva todos os horrores do aborto, tal como realmente ocorre no ventre materno. Esse vídeo e a sua continuação, “The Eclipse of Reason” (“O Eclipse da Razão”), foram amplamente exibidos, não somente para o grande público através de canais de televisão em todo o mundo, como também em sessões especiais para parlamentares de diversos países.
Nathanson logo se tornou alvo da ira das forças que promovem a cultura antivida nos Estados Unidos. Sua mudança de atitude ao convencer-se da realidade objetiva do aborto – a supressão de uma vida humana inocente – fez dele um tema habitual para radicalizações e sátiras. A partir de então passou a atuar simultaneamente como obstetra de prestígio e como professor universitário, viajando pelo mundo todo para dar conferências em defesa dos não nascidos. Já prestes a aposentar-se, publica a sua autobiografia, que contém não somente impressionantes revelações sobre como um homem pode chegar a ser um abortista, mas também – por ter sido escrito quando estava já às vésperas de dar o último passo da sua conversão e incorporar-se, pelo Batismo, à Igreja de Cristo – um testemunho convincente do poder da graça divina.
SEM DESCULPAS
O livro não é fácil nem agradável de ser lido, pois revela ações más e verdadeiramente repugnantes. O que chama a atenção e merece elogios é o fato de o autor não oferecer nenhum argumento que sirva de desculpa para o seu comportamento. Embora o leitor não encontre nada que justifique a conduta de Nathanson, pelo menos encontrará muitas razões para compreendê-la, ao conhecer como foi a infância e a adolescência do autor. Nathanson relata minuciosamente os seus primeiros anos em Nova York, no seio de um lar em que não havia o menor indício de fé religiosa, nem de lealdade ou carinho familiar. A religião não teve papel algum na sua educação. Sua família, judia, não praticava a fé, embora celebrasse as festas religiosas, da mesma forma que muitas famílias cristãs também festejam de algum modo a Páscoa ou o Natal sem que essas solenidades tenham quaisquer consequências práticas sobre a sua forma de pensar ou de agir.
É realmente impressionante como Nathanson descreve a ideia que tinha de Deus na sua infância. “Minha imagem de Deus – concluiu, refletindo sessenta anos depois – era a da figura ameaçadora, majestosa e barbuda do Moisés de Michelangelo: sentado sobre o que parecia ser o seu trono, inspecionava o meu destino e estava prestes a lançar sobre mim o seu juízo inexoravelmente condenatório. Assim era o meu Deus judeu: terrível, despótico e implacável”. Num momento posterior da sua vida, quando cumpria o serviço militar na Força Aérea, leu um livro sobre a Bíblia para passar o tempo nas horas mortas. Descobriu que “o Deus do Novo Testamento era uma figura amável, clemente e incomparavelmente carinhosa. Nela iria eu depois buscar, e por fim encontraria, o perdão que desejei por tanto tempo e tão desesperadamente”. Foi um presságio da sua posterior conversão à fé cristã.
O SEGREDO DA PAZ DE CRISTO
Durante os seus estudos de Medicina na Universidade McGill do Canadá, teve como professor o famoso psiquiatra judeu Karl Stern, que havia emigrado da Alemanha nazista. Essa relação teria consequências positivas várias décadas depois, quando Nathanson começou a examinar mais de perto as razões do Cristianismo. A respeito de Stern, diz: “Era a figura dominante no Departamento: um grande professor, um orador fascinante – chegava a ser eloquente, embora empregasse um idioma que não era o seu – e um polemista brilhante, que infalivelmente disparava ideias originais e atrevidas. (...) Tive para com Stern uma espécie de culto ao herói: estudei a Psiquiatria com a diligência de um escriba que esquadrinha a Bíblia, e em troca me deram o prêmio de Psiquiatria ao acabar o quarto ano. (...) Stern transmitia uma serenidade e uma segurança indefiníveis. Na altura eu não sabia que em 1943 – após anos de meditação, leitura e estudo – ele se tinha convertido ao Catolicismo”. Mais tarde, quando Nathanson ler a famosa autobiografia de Stern, “Pillars of Fire” (“Pilares de Fogo”), compreenderá que o seu autor “possuía um segredo que estive toda a vida buscando: o segredo da paz de Cristo”.
Os capítulos seguintes descrevem a compulsiva promiscuidade de Nathanson, da qual resultou o seu primeiro contato com o aborto, pago pelo seu pai e feito na sua primeira namorada. Depois vem a história dos seus dois primeiros casamentos e o episódio que talvez seja o mais arrepiante: o aborto feito por ele mesmo em outra das mulheres com quem tinha tido relações.
AS EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS
Nos capítulos seguintes, Nathanson conta o que já em boa parte tinha explicado em seu livro “Aborting America” sobre a sua crescente participação na campanha pela liberação do aborto nos Estados Unidos. Como se sabe, essa campanha terminou em 1973, com a sentença da Suprema Corte que – na prática – legalizou o aborto solicitado.
Com o passar do tempo, Nathanson viu claramente as evidências científicas – em boa parte graças às novas tecnologias, que permitiam ver a criança dentro do ventre materno – de que “aquilo” que abortou milhares de vezes (segundo seus próprios cálculos, esteve direta ou indiretamente envolvido em 75.000 abortos) era na verdade um ser humano: era-o desde o instante da concepção. Deixou de praticar abortos e passou a ser o mais famoso “convertido” e o mais conhecido defensor da causa pró-vida nos Estados Unidos.
MATADOUROS HUMANOS
Num dos últimos capítulos, intitulado “Rumo aos Tanatórios”, Nathanson faz predições sobre o que o Papa Paulo VI já antecipava com tanta clarividência na sua Encíclica Humanae Vitae: uma vez perdido o respeito pela vida humana em seu começo, chega-se inevitavelmente à eutanásia. Prognostica que em breve haverá clínicas que farão negócio com a morte.
“Baseando-me na minha própria experiência com um tipo de paganismo tão extremo como esse, posso prever que haverá empresários que montarão pequenos e discretos ‘sanatórios’ para aqueles que desejem morrer ou que a isso tenham sido persuadidos, coagidos ou enganados pelos médicos (...). Mas isso será apenas a primeira fase. Quando os tanatórios (do grego thanathos, morte) tiverem prosperado e se expandido, formando redes de clínicas e concessionárias, os administradores assumirão o comando, cortando gastos e custos à medida em que a concorrência for aumentando. Na sua versão final, os tanatórios – reorganizados, eficientes e economicamente perfeitos – tornar-se-ão primeiramente muitíssimo parecidos às fábricas de produção em série em que se converteram as clínicas abortistas; numa fase posterior, serão semelhantes aos fornos de Auschwitz”.
O EXEMPLO E A ORAÇÃO
Apesar de tudo, Nathanson termina o livro com uma nota de esperança na misericórdia, no perdão e na salvação oferecida por Cristo. Como costuma ocorrer nas histórias de conversões, foi a oração e o exemplo de muitos amigos e colegas pró-vida o que acabou por vencer a resistência daquele ateu endurecido, que assim pôde compreender que é possível haver um lugar no coração de Deus até mesmo para gente como ele.
Referindo-se a uma manifestação pró-vida em frente a uma clínica abortista, conta que os participantes “rezavam, apoiavam-se mutuamente, cantavam hinos de júbilo e recordavam constantemente uns aos outros a proibição absoluta de empregar a violência. Rezavam pelos não nascidos, pelas pobres mulheres que iam lá para abortar, e pelos médicos e enfermeiras da clínica. Rezavam inclusive pelos policiais e jornalistas designados para o local. Eu me perguntava: ‘Como é que essa gente pode se entregar por um público que é – e sempre será – mudo, invisível e incapaz de qualquer agradecimento?’”. Ver aqueles manifestantes pró-vida, dispostos a ir para a cadeia e a arruinar-se por suas convicções, causou em Nathanson uma profunda impressão.
Conta então que “pela primeira vez em minha vida de adulto, comecei a albergar a noção de Deus: um Deus que paradoxalmente me tinha levado até à beira dos proverbiais círculos do inferno, só para mostrar-me o caminho para a redenção e para o perdão mediante a sua graça. Esse pensamento contradizia todas as férreas certezas, que me haviam sido tão queridas: num instante converteu o meu passado num repugnante lodaçal de pecado e de maldade; me acusou e condenou pelos graves crimes contra aqueles que me amavam e contra aqueles que nem sequer conheci; e ao mesmo tempo – milagrosamente – ofereceu-me uma reluzente centelha de esperança, na crença – cada vez mais firme – em que há dois mil anos Alguém morrera pelos meus pecados e pela minha maldade”.
L´OSSERVATORE ROMANO, 21 de fevereiro de 1997, pág. 9.
AS COISAS DO SENHOR E O SENHOR DAS COISAS…
Jesus e os seus discípulos detiveram-se em casa desses amigos de Betânia antes de irem a Jerusalém. As duas irmãs começaram a preparar todas as coisas necessárias para hospedá-los. Mas Maria, talvez poucos minutos depois da chegada do Mestre, sentou-se aos Seus pés e ouvia a Sua palavra, enquanto Marta cuidava sozinha do trabalho da casa. Maria despreocupou-se das inúmeras tarefas que ainda restavam por fazer e entregou-se completamente às palavras do Mestre. “A familiaridade com que se instalou aos Seus pés (...), a fome de ouvir as Suas palavras, demonstram que este não era o primeiro encontro, mas que existia uma verdadeira intimidade”.
Marta não se mostra, com certeza, indiferente às palavras de Jesus; ela também as escuta, mas está mais ocupada nas tarefas domésticas. Sem perceber, deixou Jesus passar para um segundo plano: está absorvida nas coisas que tem de preparar para atendê-Lo bem. E inquieta-se ao sentir-se sozinha, a braços com mais trabalho talvez do que aquele que podia realizar. Contempla então a sua irmã aos pés de Jesus e, presa de um certo desassossego, mas com grande confiança, posta-se diante de Jesus – como nota São Lucas – e diz-lhe: “Senhor, não se te dá que minha irmã me tenha deixado só com o serviço da casa? Dize-lhe, pois, que me ajude”. Que grande confiança tem com o Mestre!: “Dize-lhe que me ajude”...
Jesus responde-lhe no mesmo tom familiar, como parece indicar a própria repetição do nome: “Marta, Marta” – diz-lhe – “tu te afadigas e andas inquieta com muitas coisas. No entanto, uma só coisa é necessária”. Maria, que deveria sem dúvida prestar ajuda à sua irmã, não esqueceu, contudo, o essencial, aquilo que é verdadeiramente necessário: ter Jesus como centro das atenções. O Senhor não louva toda a sua atitude, mas o principal: o seu amor.
Nem sequer as coisas que se referem ao Senhor devem fazer-nos esquecer o Senhor das coisas. Marta nunca esqueceria a amável censura do Senhor. Se o seu trabalho era importante, mais importante ainda era estar com o Senhor.
Nem sequer nas tarefas que se referem diretamente a Deus devemos esquecer que o principal, a única coisa necessária, é a sua Pessoa. E na nossa vida ordinária devemos ter presente que os assuntos que parecem primordiais, como o trabalho, também não podem antepor-se à família e muito menos a Deus.
De pouco serviriam os nossos progressos – econômicos, sociais... – se a própria vida familiar viesse a deteriorar-se por ficar em segundo plano. Se um pai ou mãe de família ganha mais dinheiro, mas descuida o relacionamento com os filhos, de que adianta? Por maioria de razão, se os nossos deveres profissionais nos levam a esquecer as nossas orações habituais – uma breve leitura do Evangelho e outras práticas de piedade, que se intercalam com facilidade no meio das ocupações mais absorventes –, que sentido têm para um cristão?
Santa Marta, que goza para sempre no Céu da presença inefável de Cristo, alcançar-nos-á a graça de valorizarmos mais a amizade com o Mestre; ensinar-nos-á a cuidar com diligência das coisas do Senhor, sem esquecer o Senhor das coisas.
Falar com Deus
Deus te abençoe!
Pe. Luiz Gilderlane.
A CORUJA E O FALCÃO
Certa vez um homem observou uma coruja que estava junto à janela. Ela caiu e o distraiu da oração, mas ele não deu muito importância a ela.
Nos outros dias, ele observou que a coruja permanecia naquele lugar e parece que se estabelecera ali.
Dia após dia ele pôs-se a observar aquela coruja. Notou que ela quase não se movia.
Começou a incomodar-se com aquela ave, pois ela ocupava mais tempo de sua atenção que a oração.
Como veio parar ali, se não comia? Uma vez até chegou a mexer com ela para ver se realmente era uma coruja de verdade.
De tanto observar, notou que a ave era cega e isso encheu mais ainda sua cabeça de perguntas.
Até que um dia, notou que um falcão entrava na igreja com algo entre os bicos. Eram algumas minhocas ou algum inseto e que servia de alimento para a coruja.
Ele maravilhou-se com o que viu e chegou a coçar os olhos para ver se enxergava direito: o falcão entrava na igreja para alimentar a coruja, da mesma forma como faria com um de seus filhotes!
Imediatamente o piedoso homem começou a louvar o Senhor e a se perguntar a razão de tamanho milagre. Jesus diz que Deus cuida até dos pássaros com o cuidado de um pai.
Sentiu enorme consolação ao pensar em um Deus amoroso, que coloca um falcão para cuidar de uma mísera coruja.
O que não faria Deus por ele?
Sentiu o coração vibrar ao perceber que Deus também cuidava dele com o mesmo carinho com que cuidava daquela ave.
No entanto sua consolação também lhe trouxe a moção interior de que Deus lhe revelava algo único. Refletiu e decidiu vender tudo o que tinha e colocar-se ao único cuidado do Senhor. Ponderou que era apegado demais aos seus bens e que Deus o chamava para viver uma vida de pobre, dependendo unicamente da providência divina, pois ele valeria mais que milhões de coruja.
Saiu de sua casa e colocou-se como mendigo na porta da mesma igreja que costumava frequentar. No entanto começou a ter dificuldades. As pessoas o tinham conhecido como rico comerciante e não entendiam porque ele estava ali. Alguns achavam que tinha endoidecido; não lhe davam esmolas e ele começou a passar fome.
Desolado e entristecido, pensava que Deus o tinha abandonado. Renunciara a tudo para viver da providência de Deus e Deus não aceitou sua renúncia.
Revelou sua desolação e procurou um padre. O sacerdote lhe perguntou:
– Você tem certeza que foi Deus quem lhe pediu para viver como mendigo?
– Claro! A experiência com a coruja me mostrou que Deus sempre cuida de quem precisa. Eu não tinha como duvidar! – Respondeu convicto.
O padre o olhou serenamente e com muita compaixão lhe perguntou:
– Você tem certeza que Deus o chamava a ser coruja? Não lhe estaria chamando a ser falcão?
Muitos agem como verdadeiros fariseus, abdicando de tudo que tem para viver uma vida pobre que aguça a compaixão das pessoas.
Deus nos tem chamado para sermos falcões, libertando pessoas, levando amor, consolo e sustento.
É claro que Deus nos trata como à coruja, mas nos chamou para sermos como o falcão.
Se você decidir assumir seu papel como falcão, Deus lhe conduzirá exatamente onde há uma coruja precisando de alimento.
A.D.
Deus te abençoe!
Pe. Luiz Gilderlane.
quarta-feira, 23 de maio de 2012
EUCARISTIA: PRISIONEIRO DE AMOR
Há um Prisioneiro num cárcere pequeno. O cativo é Rei de reis, Senhor de senhores. Esse cárcere diminuto é o Sacrário: chama-se Prisão de Amor (cfr. São Josemaría Escrivá, Forja, nº 827), porque o delito é de amor.
Sendo Deus, veio a ser homem. Eterno, assumiu o tempo. Invulnerável, quis padecer. Onipotente, ficou inerme sobre o Presépio de Belém. Todo poderoso, foi fugitivo, cruzando desertos de amor cheios de areia. Criador do Universo, trabalhou com fadiga por muitos anos na oficina de José. Onipresente, caminhou passo a passo, incansável, pelos caminhos da Palestina. Grossas gotas de sangue escorreram da sua pele até o chão de Getsêmani. Entregou-se – porque quis – a uma flagelação cruel, à coroação de espinhos. Abraçou a Cruz e deixou-se cravar nela, entre dois ladrões, ao som dos insultos blasfemos das suas criaturas. Tudo sem necessidade, por puro amor, para redimir os pecados de todos e de cada um dos homens e para abrir-lhes as portas do Paraíso.
“Sob as espécies do pão e do vinho está Ele, realmente presente com o Seu Corpo e com o Seu Sangue, com a Sua Alma e com a Sua Divindade. Juntando-se a isso um infinito amor, o que haveria de obter-se senão o maior milagre e a maior maravilha?” (João Paulo II, Homilia, 9 VII 1980)
Poderia alguém dizer que é “justo” que estejas aí, Jesus, na Tua prisão, indefeso, mais do que em Belém, do que em Nazaré, do que no Calvário? Pois sim, digo que é justo, justíssimo, porque nos roubaste o coração, e o fizeste com “agravantes”. Por que Te excedeste tanto no Teu amor? Por que nos amas assim, com essa loucura incrível? Não bastava uma só gota do Teu Sangue para redimir um bilhão de mundos? Não bastava apenas um só dos Teus suspiros? Por acaso não era suficiente apenas a Tua Encarnação no seio virginal de Maria Santíssima? Por que tanta dor, por que tanto tormento, por quê?...
É justo, Senhor, que agora estejas aí, cativo na Tua pequena prisão escura! Roubaste-nos o coração! É justo com essa justiça maravilhosa, que na sublime simplicidade divina funde-se com o amor, com a misericórdia, com a generosidade, com a verdade, com a liberdade, com a beleza, com a harmonia, com a alegria... É justo que estejas preso porque amas infinitamente, porque Te excedeste, e quem se excede tem que pagar por isso! Cumpres a tua expiação no Sacrário.
O que não é de modo algum justo é que eu fique indiferente, ou que Te esqueça e passe horas sem me lembrar do Teu amoroso cativeiro. Não é justo que passe um só dia sem Te visitar no Sacrário ao menos uma vez. Não é justo que o Sacrário não seja o ímã dos meus pensamentos, palavras e obras. Não é justo que – tendo Tu roubado-me o coração – eu não esteja onde está o meu tesouro.
Por isso renovo agora o meu propósito de centrar a minha vida no Teu cárcere de amor. E sempre que possa, ainda que seja só por uns breves instantes, irei visitar-Te para dizer-te: “Adoro-te com devoção, Deus Escondido!” (Hino Adoro te devote). Com uma genuflexão pausada (ia dizer “solene”) direi: Adoro a tua presença real sob as aparências do pão, que já não é pão, pois tem a Tua substância: o teu Corpo, o teu Sangue, a tua Alma humana, a tua Divindade, com o Pai e o Espírito Santo.
O MILAGRE DOS MILAGRES
Aqui está o milagre dos milagres, o mistério de fé que reúne em si todos os mistérios do Cristianismo (cfr. São Josemaría, homilia “Amar o mundo apaixonadamente” inQuestões atuais do Cristianismo, n. 113): Deus Uno e Trino, a Encarnação do Verbo, a Redenção da Humanidade, a Vida, a Paixão, a Morte e a Ressurreição de Cristo e a Sua Glorificação eterna... Tibi se cor meum totum subiicit, meu coração submete-se a Ti por inteiro: é teu! Tu o roubaste! Quia te contemplans totum deficit, contemplando-te ele se rende, perde toda outra razão para bater. Não poderia ser de outro modo, quando se ouve o eco daquela canção:
Corazones partidos
yo no los quiero;
y si le doy el mío,
lo doy entero
“Corações partidos,
eu não os quero;
e se lhe dou o meu,
dou-o inteiro”
Se Tu me dás o teu inteiro, o que eu poderia fazer com o meu?
Hoje, na Missa, deste-me tudo. Agora só cabe uma palavra: Obrigado! Aqui estou eu para servir-Te: totus tuus ego sum, sou inteiramente teu.
Visus, tactus, gustus in te fallitur: a vista, o tato, o gosto não conseguem perceber-Te, mas basta-me o ouvido para saber com absoluta certeza que estás aí: “Isto é o meu Corpo, Este é o cálice do meu Sangue...”. Não há nada mais verdadeiro do que a Tua palavra todo poderosa, capaz de realizar o milagre dos milagres.
Nessas visitas ao Santíssimo, talvez breves, sempre demasiado breves – é inevitável –, acende-se a fé e, com a fé, a esperança e o amor. Creio e proclamo ser verdadeira a tua Humanidade Santíssima e a tua Divindade inefável: ambo tamen credens atque confitens, creio e confesso ambas as coisas. E com a fé acesa como o sol que surge num limpo amanhecer, peto quot petivit latro poenitens, peço o que pediu o ladrão arrependido. “Tenho repetido muitas vezes aquele verso do hino eucarístico: Peto quot petivit latro poenitens. E sempre me comovo: pedir como o ladrão arrependido!” (São Josemaría, Via Sacra, XII, 4).
Que pediu aquele homem de triste vida, que morria na cruz junto a Cristo? “Lembra-te de mim quando estiveres no teu Reino” (Lc 23, 42). “Reconheceu que ele, sim, é que merecia aquele castigo atroz... E com uma palavra roubou o coração a Cristo e abriu para si as portas do Céu” (Ibid.)
Com uma palavra. Também isso é “justo”, Senhor: se Tu me roubaste o coração, é justo que eu roube o teu. É tão fácil! “A Jesus basta um sorriso, uma palavra, um gesto, um pouco de amor para derramar copiosamente a Sua graça sobre a alma do amigo” (Idem, V). Vês agora o meu coração contrito, rendido, convertido, derramado em Ti com todas as fibras do seu ser? Pois então, lembra-te de mim quando estiveres no Teu reino! Eu Te abro as portas do meu peito: Tu me abres as do Teu, as portas do Reino do Amor.
BELÉM: A CASA DO PÃO
Essa pequena prisão de amor é também Belém, um Presépio eterno. O nome “Belém” significa “casa do pão”. O Sacrário é o lugar onde se guarda o Pão da Palavra, o próprio Verbo de Deus, a Palavra Única do Pai, que nos fala do Amor. É o pão dos anjos, o pão do céu, o remédio da imortalidade (cfr. Catecismo da Igreja Católica, nº 1331), porque os anjos não se alimentam de outra coisa a não ser do Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro.
Nessa Belém dos nossos templos, encontra-se, a fim de nutrir os homens, não somente o Corpo e o Sangue redentores, mas também o Espírito de Cristo, que se irradia a partir do Sacrário para os nossos corações quando fazemos – como de costume – uma comunhão espiritual. Porque a Humanidade Santíssima de Jesus é o verdadeiro Templo onde a plenitude da Divindade habita corporalmente (cf. Cl 2, 9). Seu alimento é fazer a Vontade do Pai, e o ar que respira é o Espírito Santo. Por isso, quando sopra, o Paráclito se difunde num incessante e sempre novo Pentecostes.
Não se percebe sempre, onde quer que estejamos, como que uma brisa vinda do Sacrário mais próximo a aliviar o esforço do nosso trabalho? Não vemos como essa brisa põe, se for o caso, doçura no sacrifício, sossego na dor, mais gozo na alegria de amar e de saber-nos infinitamente amados por um Coração de carne, como o nosso, que palpita com vigor divino?
Com seus laços de Amor, o Espírito Santo aperta, une, funde os nossos corações até podermos exclamar: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim!” (Gl 2, 20) É uma maravilha: o cristão endeusa-se, imerso no Infinito, como no diálogo daquela clássica cantiga:
Homem:
Por mais que estejais dividido
Vos encontro inteiro, meu Deus.
Deus:
Sim, que entre nós dois, amigo,
nunca haverá pão quebrado.
Homem:
Que igualdade se pode dar
entre o nada e o tudo?
Deus:
Quereis saber de que modo?
Comendo deste manjar.
Homem:
Portanto, depois de tê-lo comido,
venho por graça a ser Deus?
Deus:
Sim, que entre nós dois, amigo,
nunca haverá pão quebrado.
Homem:
Haverá quem não se assombre
de tão excessivo favor?
Deus:
Isso é o que pode o amor:
tornar a vós Deus, e a Mim, homem.
Homem:
De onde a tal alteza sou vindo,
e a tanta baixeza Vós?
Deus
Sim, que entre nós dois, amigo,
nunca haverá pão quebrado
(Alonso de Ledesma)
Que justo é, meu Deus, que estejas nesse cárcere de amor! De agora em diante compartilharemos tudo: corações, pensamentos, afãs, trabalhos, penas, alegrias, amores. O Sacrário será o meu tesouro, o meu Presépio, o meu Pentecostes... E será para mim Betânia: espaço de encontro, lugar de sossego, onde se ama de verdade a Jesus, com admiração, com respeito, com carinho; onde se escutam as suas palavras sem preconceitos, e onde também Jesus, num eloquente silêncio, escuta.
Até nos atrevemos a “repreendê-lo” carinhosamente por “não ter vindo a tempo” de curar Lázaro: “Senhor” – diz Marta –, “se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas nada nesse mundo nos faz perder a fé: ainda agora eu sei que tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá; acredito que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo” (cf. Jo 11, 17-44). Lá está Maria, a que é capaz de provocar um maiúsculo escândalo no coração de todos os Judas: derrama o salário anual de um operário em perfume de preciosa fragrância nos pés de Jesus, e os enxuga com seus lindos cabelos (cf. Jo 11, 2). E também Lázaro – alma serena, coração valioso, olhar penetrante, cheio de luz –, que contempla e conversa com o Mestre, sente o valor do seu sangue nobre e generoso, e que pondera em silêncio a sua profunda amizade com Jesus.
“É verdade que ao nosso Sacrário chamo sempre Betânia... – Faz-te amigo dos amigos do Mestre: Lázaro, Marta, Maria – E depois não me perguntarás mais por que chamo Betânia ao nosso Sacrário” (São Josemaría, Caminho, n. 322). E andarás pelo mundo “assaltando” Sacrários (Ibid., nn. 269 e 876). E alegrar-te-ás toda vez que encontrares mais outro no teu caminho habitual pelas ruas da cidade (cfr.Idem., n. 270). E não abandonarás nunca a Visita ao Santíssimo: “A Visita ao Santíssimo Sacramento é uma prova de gratidão, um sinal de amor e um dever de adoração para com Cristo, nosso Senhor” (Catecismo da Igreja Católica, n. 1418).
“A Igreja e o mundo têm uma grande necessidade do culto eucarístico. Jesus nos espera neste sacramento de amor. Não nos furtemos a gastar tempo para ir encontrá-Lo na adoração, na contemplação cheia de fé e aberta à reparação pelas faltas graves e delitos do mundo. Não cesse nunca a nossa adoração” (João Paulo II). Assim sempre “terás luzes e ânimo para a tua vida de cristão” (Caminho, nº 554), e dirás aos Anjos (que de algum modo compartilham conosco esse mesmo “Pão”): “Ó Espíritos Angélicos que guardais os nossos Tabernáculos, onde repousa o tesouro adorável da Sagrada Eucaristia, defendei-a das profanações e conservai-a para o nosso amor” (cfr. Caminho, nº 569)
UM GRITO SILENCIOSO
O Sacrário é uma chamada a nos entretermos numa conversa de fé, de esperança e de amor com Aquele que deu e continua dando o Seu sangue por nós. É como ouvir um grito silencioso: “Estou aqui! Vinde todos os que estais cansados, abatidos, desanimados, que eu os aliviarei! Vinde também todos os que estais contentes, pois gosto de compartilhar a vossa alegria e aumentá-la, para que seja mais completa, mais profunda, mais autêntica, mais humana e mais divina, para que ninguém vo-la possa arrebatar!”.
Para conseguir uma amizade crescente com Cristo é preciso ir purificando a mente e o coração, porque Ele é a própria pureza. A recepção frequente do Sacramento da Penitência é o grande meio purificador. Sem ele a nossa fé seria escassa, a nossa esperança, incerta, o nosso amor, duvidoso, e as nossas obras, retorcidas. “Não somente a Penitência conduz à Eucaristia, mas também a Eucaristia conduz à Penitência. Com efeito, quando nos damos conta de Quem recebemos na Comunhão eucarística, nasce em nós quase espontaneamente um senso de indignidade, e ao mesmo tempo a dor pelos nossos pecados e a necessidade interior de purificação” (João Paulo II, Dominicae Cenae, 24 II 1980, nº 7). Assim poderemos fazer com que “brilhe ainda mais a glória e a força da Eucaristia” (Bula Incarnationis mysterium, nº 11).
Antonio Orozco, licenciado em Filosofia e Letras e Doutor em Filosofia Escolástica. É sacerdote e autor de diversos artigos sobre temas teológicos, além dos livros: "Resurección, de espiritualidade, e La libertad en el pensamiento, ensaio filosófico.
Deus te abençoe!
Pe. Luiz Gilderlane.
São Paulo e o Espirito Santo
Em todo o corpo da obra paulina, é vasta a abordagem e a atenção que o Apóstolo dedica ao Espírito Santo. Nesta pequena reflexão, destacaremos apenas alguns aspectos.
Em suas Cartas, São Paulo apresenta o Espírito Santo na sua ação, como princípio de santificação que atua no espírito humano, permitindo um novo conhecimento e uma vida nova. São Paulo não apresenta, porém, somente a ação do Espírito, mas comunica-nos também algo da natureza da terceira Pessoa da Santíssima Trindade. Paulo reflete sobre o Espírito expondo a sua influência não só no agir do cristão, mas também no seu ser. De fato, ele diz que o Espírito de Deus habita em nós (cf. Rm 8, 9; 1 Cor 3, 16) e que “Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho” (Gl 4, 6). O Espírito não é uma força anônima, mas tem sua natureza precisa de ser a presença em nós do próprio Deus Pai e de Seu Filho.
O Espírito, princípio do conhecimento
O Espírito é o princípio do conhecimento e, portanto, da experiência de Deus. O Espírito torna possível um conhecimento novo da realidade porque Ele invade todo o processo da percepção do significado das coisas e da comunicação da sabedoria. O Espírito é aquele que nos conduz ao Mistério mais profundo da realidade, ao Mistério de tudo.
O conhecimento que o Espírito dá não é puramente teórico, mas existencial. No Novo Testamento, o pneuma é comparado ao vento (cf. Jo 3, 8 e 20, 2), a uma força (cf. At 1, 8), a “um ruído como o agitar-se de um vendaval impetuoso” e ao fogo (cf. At 2, 3). Para Paulo, o Espírito é, sobretudo, o “Espírito que dá a vida” (1Cor 15, 45).
O Espírito está intimamente ligado à experiência e todo o seu trabalho missionário foi marcado “pela força de sinais e prodígios, na força do Espírito de Deus” (Rm 15, 19). A ação do Espírito é descrita como um “derramar” (Rm 5, 5), “irrigar e abeberar” (1 Cor 12, 13ss). Pelo dom do Espírito, os filhos clamam “Abbá! Pai!” (Rm 8, 15). O evangelho é recebido “com a alegria do Espírito Santo” (1 Ts 1, 6). A conversão é uma visão nova da realidade, como se fosse a retirada de um véu (cf. 2 Cor 3, 12-16). Sem contar com a profunda mudança moral produzida pelo “vestir-se do Senhor Jesus Cisto” (Rm 13, 13-14) e pelo “fazer morrer as obras da carne pelo Espírito” (Rm 8, 13).
Tendo recebido esse Espírito, podemos conhecer os dons de Deus e comunicá-los não por meio de palavras ditadas pela sabedoria humana, mas com palavras ensinadas pelo próprio Espírito. Esse Mistério permanece inacessível para a sabedoria deste século, que considera a experiência da fé uma loucura.
A primeira parte da Epístola aos Coríntios trata dessa dialética entre sabedoria de Deus e sabedoria do mundo. No segundo capítulo, em sintonia com a lógica do agir paradoxal de Deus, que revela a sua potência e sabedoria na impotência e loucura da Cruz de Cristo, Paulo afirma que escolheu anunciar o Mistério de Deus em Corinto sem recorrer à arte da retórica. Ele insiste sobre a “demonstração de Espírito e de potência” para que a fé dos coríntios se fundasse não “sobre a sabedoria de homens, mas sobre a potência de Deus” (1 Cor 2, 4-5). A sabedoria de Deus coincide com o seu desígnio de salvação que ficou escondido, envolvido no mistério antes da sua revelação em favor daqueles que creem.
Essa revelação não pode ser conhecida por aqueles que se deixam guiar por critérios mundanos que o Apóstolo chama os “chefes deste mundo”. Todos esses permanecem estranhos à lógica do agir de Deus que ressuscitou Jesus crucificado, constituindo-o Senhor na Glória (1 Cor 2, 6-8). São Paulo afirma que se pode falar dessa realidade somente por meio da linguagem ensinada pelo Espírito de Deus entre aqueles que são espirituais (cf. 1 Cor 3, 1-3).
A distinção entre o homem psíquico e o homem espiritual indica os dois tipos possíveis de conhecimento da realidade: o simples conhecimento natural, baseado na sabedoria humana e o verdadeiro conhecimento, que é baseado no dom do Espírito. No conhecimento natural, a pessoa permanece na superfície da realidade; é ferida pelas coisas, mas lhe escapa o seu verdadeiro significado; no conhecimento espiritual, o ponto de referência é sempre a realidade, entendida como mistério, como sinal de uma presença mais profunda que lhe oferece seu significado pleno. Sem o dom do Espírito, não se conhece a realidade e não se possui a verdadeira sabedoria. O Espírito de Deus, com o seu poder, é a fonte da verdadeira sabedoria.
Paulo proclama a “sabedoria de Deus, misteriosa e oculta, que Deus, antes dos séculos, de antemão, destinou para a nossa glória” (1 Cor 2, 7). Misteriosa não significa enigmática, mas sabedoria baseada no mistério, que é o desígnio admirável de Deus sobre a história. O homem natural psíquico não conhece a realidade; o Espírito é o princípio do conhecimento das coisas no seu significado verdadeiro: “A nós, porém, Deus o revelou pelo Espírito” (1 Cor 2, 10). E se o Espírito é necessário para conhecer a realidade no seu significado natural e amplo, o Espírito é indispensável para conhecer verdadeiramente quem é Cristo: “Poder de Deus e sabedoria de Deus. Pois o que é loucura de Deus é mais sábio que os homens, e o que é fraqueza de Deus é mais forte que os homens” (1 Cor 2, 24b-25). Por isso é somente o Espírito que faz dizer “Jesus é o Senhor” (1 Cor 12, 3).
O Espírito, princípio da filiação divina e da vida nova
Em Rm 8, 14, Paulo proclama o objetivo do dinamismo do Espírito: “todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus”. Isso porque o Espírito é o princípio da nossa filiação divina, que se dá por meio da Morte e Ressurreição de Jesus e nos é oferecida através do Batismo. È o Espírito quem nos permite ter um relacionamento totalmente especial com Deus e invocá-lO como “Pai” (cf. Rm 8, 15). A filiação divina, de fato, supera o regime da escravidão e nos oferece uma herança perene. Para quem se deixa conduzir pelo Espírito, que gera a vida, tudo se torna possível. Assim é que se orienta a dramática luta interna no homem entre a carne e o Espírito. As forças do mal penetram profundamente no homem e na sua condição. A “carne” designa a tendência pessoal que o homem tem de resistir a Deus, o que o arrasta para a morte. O Espírito, por sua vez, produz um dinamismo oposto ao da carne, já que ele é o princípio da vida nova. A carne é o impulso ao mal e o Espírito, à vida.
Segundo Paulo, somente o Espírito é capaz de criar no homem um coração novo e libertá-lo do fardo do cumprimento de um conjunto de normas e regras. A presença ou habitação do Espírito no espírito do cristão assinala a pertença a Cristo, já neste tempo, bem como no futuro, quando Deus, por seu Espírito, ressuscitar os cristãos.
Sem o Espírito Santo, Cristo permanece um estranho; podemos falar d’Ele, discutir e até pregar o Seu Nome, mas Ele estará distante. Assim surgiram todas as grandes hipóteses sobre Jesus como um grande homem, o pregador da fraternidade, o apaixonado pela justiça, perigoso para os poderosos, o revolucionário, um comovente e dramático mito criado pelo pensamento humano. Sem o Espírito, Cristo permanece distante e desconhecido. E Paulo conclui: “quanto a nós, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de Deus” (1 Cor 2, 12a); “nós, porém, temos o pensamento de Cristo” (1 Cor 2, 16b).
Por fim, um último conselho de São Paulo, para que a vida nova em Cristo dê seus frutos: “Se vivemos pelo Espírito, andemos também de acordo com o Espírito” (Gl 5, 25). A multíplice ação do Espírito desenvolve-se na vida da Igreja – e na vida de cada fiel – por meio da oração e é mais obra do próprio Espírito do que nossa.
Baseado no artigo “A Pneumatologia de Paulo”, de D. Filippo Santoro, bispo diocesano de Petrópolis, in “Coletânea, Revista de Filosofia e Teologia da Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro”, n. 13, 2008, pp. 63-83.
Você sabia?
...Que o “espinho na carne” de São Paulo (cf. 2 Cor 12, 7) pode ser o seu temperamento impetuoso? É o que considera o Pe. Mariano Weizenmann, scj, doutor em Teologia pela Universidade Gregoriana e professor da Faculdade Dehoniana, em Taubaté (SP). “A partir da concepção grega, o espinho na carne poderia sugerir um preocupante defeito, um vício ou um pecado”, afirmou o sacerdote. “Mas, pelo que de Paulo conhecemos, no contexto em que estamos, e pela sua forte característica judaica, o espinho na carne tem a ver com sua vida habitual”, afirma. “O que é a vida na carne? Ou a encarnação?” – pergunta o teólogo. “É a vida desde a concepção até a última respiração. Todos nós estamos na carne, na maneira judaica de pensar. Na maneira grega, seria uma vida devassa, depravada. Mas, na maneira judaica, é a vida humana, com suas limitações e suas possibilidades de êxito”, explica. “Ora, assim, o mais provável é que o espinho seja o temperamento impetuoso e impaciente de Paulo. Isso causou muito sofrimento a ele”.
De acordo com o teólogo, outra possibilidade do espinho na carne poderia ser o sofrimento de Paulo em ver sua gente recusar Jesus. “Ele dedica três capítulos, 9, 10 e 11 da Carta aos Romanos, a esse grande problema. É porque essa era uma grande preocupação sua”.
Segundo o sacerdote, há estudiosos que afirmam que o espinho na carne poderia ser alguma doença que causava desconforto ao apóstolo, como, por exemplo, um problema na vista.
“Mas parece mais provável que seja o temperamento. Na segunda Carta aos Coríntios, há um retrato disso. Paulo começa a falar, fica nervoso, aí pede desculpas, e depois lembra que também eles têm culpa. Então é mais provável que seja isso”, afirma.
Kátia Maria Bouez Azzi
Deus te abençoes!
Pe. Luiz Gilderlane.
terça-feira, 22 de maio de 2012
DESPERTAI: DEUS ESTÁ SEMPRE A CHEGAR
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Deus continua a chegar após uma longa espera de séculos, após os obscuros sinais presentes nas outras religiões, sobretudo após a preparação mais imediata da Aliança com Israel. No seu livro “O Mistério do Advento”, Daniélou afirma: “O cristianismo é a eterna juventude do mundo”. Já no início do seu pontificado, Bento XVI reafirmava que a Igreja tem e transmite a juventude de Cristo, que é “eternamente jovem”. Com efeito, o acontecimento de Cristo vence a morte a partir do interior dela mesma, penetrando-a para matá-la definitivamente e abrir-nos – desde já – à Vida que não morre.
Com Cristo chega a “plenitude dos tempos”. Com Cristo – escreveu João Paulo II na sua carta sobre o advento do Terceiro milênio – “a eternidade entrou no tempo”. É verdade. Aquele que está com Cristo já não pode envelhecer. O seu corpo desgasta-se, como é natural, mas o seu espírito é eternamente jovem, com a juventude de Deus. E isso até o momento em que essa Juventude o ressuscitará dentre os mortos para a Vida que nunca morre.
Hoje, parece que é mais fácil crer na reencarnação que na ressurreição. Segundo João Paulo II, isso demonstra que “o homem não quer resignar-se a uma morte irrevogável. Está convencido da sua própria natureza essencialmente espiritual e imortal”. E, contudo, a grandiosidade não reside na possibilidade de ter muitas vidas; no fim das contas, isso lhe tiraria a responsabilidade. A grandiosidade está no fato de que mesmo a menor das realidades pode transformar-se, por amor e para sempre, em algo eterno, que não passa, que entra no “hoje” de Deus. Por isso Gustave Thibon dizia: “Tudo o que não é eternidade recuperada, é tempo perdido”.
A história inteira é – para usar a metáfora de Daniélou – o tempo de que dispomos para amadurecer um cacho que é precisamente a cidade de Deus. E Daniélou aplica isso às religiões pagãs, ao judaísmo: todas as pessoas estão chamadas a abrir-se ao “vinho novo” do cristianismo. É necessário que cada um se abra ao “vinho novo da graça” que continua a fazer os “odres velhos arrebentar”, porque nos leva a “sair de nós mesmos – nós que sempre nos colocamos numa espécie de conformismo – e avançar para uma nova etapa”.
Por isso é preciso despertar. Renunciar à atitude de dobrar-se sobre si mesmo, sobre o próprio envelhecimento. Só há dois caminhos: ou a vida voltada para si mesmo, que leva à morte; ou o caminho até a vida de Deus que leva ao crescimento, à “plenitude do tempo”.
É essa vida de Deus que grita agora como uma mãe, como uma apaixonada, à alma que reluta em despertar. Está chegando o dia para ti, alma chamada por Deus, está chegando o dia para ti, mundo em sombras; está chegando o dia para ti, conjunto dos cristãos que deveis dar testemunho da vossa unidade diante do mundo; está chagando, cristão, o tempo da tua coerência; está chegando, para ti, seja quem fores, a ocasião de pedir perdão e recomeçar.
Nesta linha dos seus Hinos à Igreja, Gertrud von Le Fort imagina que a Igreja diz à sua alma: “Quero acender luzes, alma; quero acender a alegria em todos os confins da tua humanidade”; e espicaça a alma humana – a de cada um de nós que deve despertar no Advento e abrir-se a Deus sempre de novo – invocando Maria: “Saúdo-te, Tu que trazes o Senhor no teu ventre!”.
Ramiro Pellitero, Professor no Instituto Superior de Ciências Religiosas da Universidade de Navarra.
Deus te abençoe!
Pe. Luiz Gilderlane.
TRAÍDOS PELO TEMPERAMENTO
Acontece em todas as igrejas. Pode acontecer conosco. Temperamento a gente carrega. Se for explosivo, a gente o controla.
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Tenho visto pregadores cheios de conteúdo perderem sua obra por culpa de seus gestos e de sua impaciência, que acabam mais proclamados do que sua mensagem. Sei de pelo menos dez que, em tempo, se deram conta de seus rompantes, pediram ajuda ou oraram e conseguiram tornar-se pessoas serenas e controladas. Sei dos que acabaram vencidos pelo temperamento e nunca se corrigiram. O povo deixou de procurá-los.
O temperamento forte até pode ajudar, desde que controlado. É a tal da mística da palavra certa, do jeito certo, na hora certa e para a pessoa certa. Ninguém tem que ser um cordeirinho o tempo todo. Se por algum momento for preciso reagir em defesa dos pobres e feridos, o cordeirinho deve rugir. O que não se admite é que um pregador da fé tenha este temperamento de pitt-bull, que o fiel nunca sabe quando explodirá, porque seu pregador depende das fases da lua.
A ascese cristã, em voga em todas as igrejas, pede do pregador que se controle para não destruir, com seus rompantes, o que construíram com sua cultura. Uma psicóloga religiosa, que se especializou em atender pregadores estressados, dizia, numa conferência diante de bispos e sacerdotes, que mansidão é dom do céu, mas é conquista do indivíduo. Hoje existem até fármacos para os casos mais difíceis. Riachos não descem controlados, mas, canalizados e controlados, dão luz e ajudam a semear a vida. Ela sugeria que os bispos obrigassem seus pregadores a frequentar, ao menos por dois dias, um curso de ascese e de relações humanas.
Alguns leigos que estão a ler estas linhas assinariam embaixo. É uma pena que sacerdotes cultos e preparados, com tanto a ensinar, tenham temperamento de pitt-bull.
A graça de Deus já domou verdadeiras feras. Quem é vítima desse temperamento, hoje, com os recursos da psicologia e da fé pode mudar em pouco tempo. Resta ver se os irados e traídos pelo temperamento admitam que é com eles que a Igreja está falando, quando pede dos seus ministros mais delicadeza com o povo de Deus… Afinal, gentileza é uma das facetas mais admiráveis da pastoral!
Pe. José Fernandes de Oliveira (Pe. Zezinho, scj)
Deus te abençoe!
Pe. Luiz Gilderlane.
segunda-feira, 21 de maio de 2012
DESPRENDIMENTO
Domínio de si mesmo
“…que aproveita ao homem…?” (Mc 8, 36).
Meu amigo, compreende tua incrível felicidade. Convidei-te não somente para ser outro Cristo, mas para seres um outro Eu.
Desejas isto, mas também alimentas as tuas paixões e os teus apetites inferiores. As duas coisas não podem estar juntas. Não podes ser um outro eu a não ser que renuncies a ti mesmo.
Meu amor por ti só será compatível com outros amores enquanto não for contrário ao Meu, que deve ser supremo. Eu te ordeno o amor ao próximo. Contudo, nenhum outro amor, a pessoa ou a coisas, deve superar o teu amor por mim. Deves dominar todos os desejos que te afastas de Mim. É impossível ser vaidoso, desejar ser mais importante que os outros, e ser, ao mesmo tempo, um outro Eu.
É impossível ser demasiadamente sensível, vingativo, sempre pronto a contradizer os outros, e ser um outro Eu.
Não podes ser ganancioso, sensual, guloso, invejoso, e ser um outro eu.
São todas formas de egoísmo, que deves renunciar. Não quero meias medidas.
Eu disse: “Se o teu olho direito te serve de escândalo, arranca-o e lança-o para longe de ti” (Mt 5, 29). Que nada impeça tua devoção, teu amor a Mim, tua identificação Comigo.
Para estares unido totalmente com a Santíssima Trindade e participares da visão beatífica, deves ser perfeito. A essência da perfeição é a união de tua vontade com a Minha. Mas como poderás unir tua vontade perfeitamente com a Minha, se não conquistares, primeiro, tua própria vontade? É por isso que deves extirpar tuas paixões, destruir teu apego às coisas materiais, suprimir em ti o desejo de louvores, de facilidades, de popularidade, e deixar de vangloriar-te diante de tuas ideias, de tuas qualidades, ou de teu progresso espiritual.
Os impuros não podem ver a Deus. Ser puro é entregar-se totalmente à Minha vontade, sem recusar nada. Ser puro no olhar e no coração é não desejar os bens terrenos que são contrários à Minha vontade.
Se não te purificas completamente nesta vida, fá-lo-ás no purgatório. Ali serás purificado do apego aos bens matérias pelo método da privação. Tua vontade ficará privada daquilo que mais desejas: ver Minha face. O purgatório purifica pelo fato de te encontrares tão perto de Mim e, no entanto, também fora do teu alcance.
Será muito melhor suprimir, agora, todos os desejos que não te aproximam mais de Mim. E não somente aqueles que seriam gravemente pecaminosos, mas até mesmo aqueles que constituiriam faltas leves ou imperfeições. Todos estes desejos voluntários servem apenas para te perturbar, te atormentar, te cegar e tornar-te indiferente. Purifica-te, negando-te aquelas coisas e aqueles prazeres que possam ser alimentá-los.
Procura o que é difícil e não o que é fácil, por amor a Mim.
Procura o desagradável em vez do que agrada, por amor a Mim.
Procura o que é simples em vez daquilo que é grandioso, por amor a Mim.
Procura não desejar nada a não ser o que Eu te envio, e não recusas nada daquilo que permito que te aconteça, por amor a Mim.
São duras estas palavras? Significam, por ventura, que daqui por diante terás de abandonar tudo o que é prazer?
De forma alguma! Eu te levarei ao grau de renúncia que é melhor para ti. O que é conveniente para uma pessoa, não será para outra. Se procurares fazer, por amor, tudo o que te peço, encontrarás alegria no sacrifício.
Mortifica-te. Mas entende que a maior mortificação é a prática da verdadeira humildade. Aceitar humildemente as mortificações que te envio é melhor do que acumular mortificações escolhidas por ti.
Observa os jejuns e as penitências impostas por minha Igreja. Lembra-te, porém, que em geral, não desejo que as pessoas façam mortificações que as deixem irritadas e descontentes. Que tuas penitências voluntárias limitem-se aquelas que não perturbem a tua paz. Há pessoas que se tornam escravas da mortificação.
De vez em quando Eu mando algum sofrimento para que sejas mais completamente Meu, desapegando-te daquilo que Me separa de ti. Aceita os sofrimentos que te envio, e seu fardo se tornará leve, porque Meu jugo é suave para aqueles que Me amam.
O desejo de sofrer por causa de Mim é santo. Contudo, melhor ainda é a virtude da indiferença. Procura fazer Minha vontade, na alegria ou na tristeza, com santa indiferença, dizendo a ti mesmo: “Não escolho nem prazer nem dor, mas desejo unicamente conformar-me a vontade de Deus”. Procura amar-Me em todas as coisas, igualmente: na doença, na saúde, na morte, na riqueza ou na pobreza, no prazer ou na dor, na consolação ou na desolação.
Não te tornes demasiadamente apegado nem mesmo à perfeição. Uma vez que agora não me podes servir perfeitamente, oferece-Me tua insatisfação. Agora deseja tão somente servir-Me o melhor que podes. Que teu único desejo seja agradar-Me na situação em que estiveres.
Em resumo: cuidado para não te apegares a coisa alguma terrena, especialmente ao prazer. Sei muito bem que o corpo e o espírito necessitam de descanso. O que fazes a ti mesmo, fazes a Mim. Quando te alegras com um prazer sadio, Eu participo de tua alegria, porque estou contigo e em ti. Não escolhas um prazer do qual Eu não possa participar contigo. Procura-o no tempo em que Eu possa aprová-lo. Procura-o no grau que Eu desejo. Pergunta-te de vez em quando, no meio de teu prazer: “Eu o deixaria, de uma vez, se soubesse não ser da vontade de Deus? Posso deixar isto, neste momento, sem me perturbar?”.
Para ser totalmente um outro Eu, deves ser todo Meu, desejando fazer apenas a Minha vontade. Quanto mais “puro” fores, quanto mais “limpo” for teu coração, mais plenamente Eu viverei contigo.
O segredo: apegar-se a Cristo
“…revesti-vos do homem novo…” (Ef 4, 24).
Agora ensinar-te-ei um grande principio: esforça-te menos por desprender-te e mais por prender-te… Concentra teus esforços em te enriqueceres mais de Mim do que em te esvaziares de ti mesmo. Permite-Me entrar em ti e farei sair tudo o que seja alheio a Mim. Deixa-Me inundar-te com Minha graça para livrá-lo de todos os vínculos terrenos. Este é o caminho tranquilo para chegar à pureza do coração. Caminho fácil, seguro.
Tens de dominar muitas tendências naturais. Mas haverá uma predominante. Qual é o teu prazer ou paixão dominante? Talvez não o saibas. Pergunta-Me e ajudar-te-ei a descobrir.
O que é que mais te perturba? O que é que mais te inquieta? Qual é o amor, o desejo, que te parece mais difícil submeter à Minha vontade? É a impureza? São os maus companheiros? É o orgulho desordenado? O amor ao dinheiro? O desejo de ser louvado? A tagarelice? A impaciência?
Podes conhecer aquilo a que estás mais apegado, pelas coisas que facilmente te irritam.
Em geral, ficas mais irritado quando, lendo teu jornal, alguém te molesta? Então estás apegado à tua tranquilidade e à leitura do jornal.
Ficas irritado quando alguém te contradiz? Então estás apegado aos teus pontos de vista.
Sentes inveja quando outros são promovidos? Então estás apegado ao desejo de ser conhecido, de ser promovido, ou talvez, de enriquecer.
Ficas contrariado quando outros são convidados para banquetes? Então estás apegado ao prazer da comida.
Examina-te seriamente, pede-Me luz e te mostrarei qual é o defeito-chave que impede a tua identificação Comigo.
Quando o tiveres descoberto, faze a substituição com a virtude contrária.
Estuda em Mim qual é a virtude diretamente oposta ao teu vício predominante. Lendo os Evangelhos, descobrirás como a pratiquei e em que circunstâncias.
És orgulhoso? Considera Minha humildade e imita-a.
És avarento? Observa Minha generosidade e imita-a.
És invejoso? Observa Minha benevolência e imita-a.
És intemperante no comer e no beber? Observa Minha temperança e imita-a.
És inclinado à cólera? Observa Minha paciência e imita-a.
És sensual? Observa Minha pureza e imita-a.
És preguiçoso? Gastas demasiado tempo na recreação, no sono, na leitura, nos programas de televisão, nas conversas? Estuda o modo como Eu empregava o tempo e imita-Me.
Planeja a prática da virtude de que mais necessitas. Visualiza exatamente as circunstâncias em que te encontrarás hoje e nas quais poderás praticar esta virtude. Fala Comigo sobre teu plano. Lembra-te dele de vez em quando, durante o dia.
Quando sentires a tentação ou mesmo quando caíres, não desanimes. Pensa como praticarás, no futuro, a mesma virtude em circunstâncias semelhantes. Volta-te para Mim. Relembra como Eu a pratiquei e reze assim: “Senhor, ajuda-me; Jesus, ensina-me. Mestre, dá-me forças”.
Em tudo procura a Minha ajuda e a acharás. Pede a Minha mãe que estenda a mão e ela jamais deixará de fazê-lo.
Reza agora, esta oração de oferecimento:
Senhor eu Te ofereço minha vida e aceita, de boa vontade, as alegrias e as tristezas que me sobrevierem.
Eu Te ofereço meus bens terrenos, e se for Tua vontade que eu os perca, esta será também minha vontade.
Eu Te ofereço minha família e meus amigos. E aceito desde agora, o momento e as circunstâncias que me irão separar deles.
Eu Te ofereço minha morte com todas as dores que possam acompanhá-la. Não quero prolongar nem diminuir minha vida por um só momento.
Eu Te ofereço o sofrimento daqueles que amo. Sofrimentos muitas vezes mais difíceis de suportar do que os meus.
Eu Te ofereço as decepções, as injustiças, os pesares que sobrevirão aos que me são queridos, em união com Maria que ofereceu seus sofrimentos na cruz.
Ajude-me, ó Cristo, a desprender-me. Enriquece-me com Tuas virtudes. Que a Tua vontade seja a minha vontade.
Pede-me o maior dom que posso fazer: o dom de mim mesmo. Em compensação, oferece-me o maior dom de Deus: o dom de ti mesmo.
Ajuda-me, ó Mestre, a ser generoso, desprendido, perseverante.
Transforma-me em Ti. Assim como o sacerdote muda o pão e o vinho no Teu Corpo e no Teu Sangue, faze de mim uma extensão de Ti mesmo, um outro Cristo.
Do livro “Cristo minha Vida”
Deus te abençoe !
Pe. Luiz Gilderlane.
QUAL É O MELHOR CAMINHO?
Muito mais do que se sentir bem ao lado de Jesus, devemos nos sentir amados por Ele.
Nossa missão como evangelizadores é muito mais do que servir, é se entregar verdadeiramente nos braços de Deus Criador.
Todos os dias acordamos e nem ao menos conseguimos imaginar o que Jesus tem preparado para cada um de nós. A única opção que nos resta é orar pelo dia que se inicia e caminhar segundo o que é pregado a cada um de nós.
Batalhas são somente obstáculos impostos em nossa vida para nos desviar dos caminhos de Deus, mas a maturidade que nos envolve deverá ser gradativa com o passar do tempo.
Decidir verdadeiramente qual caminho seguir é opção particular. O certo e o errado são revelados a cada um de nós pelo próprio Jesus Cristo segundo Seu Evangelho. O que devemos ter total consciência é que o que plantamos no hoje será fruto no amanhã, sendo bons frutos ou não.
“Vós os conhecereis pelos seus frutos. Por acaso se colhem uvas de espinheiros ou figos de urtigas? Assim, toda árvore boa produz frutos bons, e toda árvore má, produz frutos maus. Uma árvore boa não pode dar frutos maus, nem uma árvore má pode produzir frutos bons. Toda árvore que não dá bons frutos é cortada e jogada no fogo. Portanto, pelos seus frutos vós os conhecereis.” (Mt 7, 16-20).
Deus te abençoe !
Pe. Luiz Gilderlane.
A DOR DE CORRIGIR
Esconde-se um grande comodismo – e, por vezes, uma grande falta de responsabilidade – naqueles que, constituídos em autoridade, fogem da dor de corrigir, com a desculpa de evitar o sofrimento aos outros. Talvez poupem desgostos nesta vida, mas põem em risco a felicidade eterna – a sua e a dos outros – pelas suas omissões, que são verdadeiros pecados.
O santo, para a vida de muitos, é “incômodo”. Mas isso não significa que tenha de ser insuportável.
O seu zelo nunca deve ser amargo; a sua correção nunca deve ferir; o seu exemplo nunca deve ser uma bofetada moral, arrogante, na cara do próximo.
Portanto, quando na nossa vida pessoal ou na dos outros percebermos alguma coisa que não está certa, alguma coisa que precisa do auxílio espiritual e humano que nós, os filhos de Deus, podemos e devemos prestar, uma das manifestações claras de prudência consistirá em aplicar o remédio conveniente, a fundo, com caridade e com fortaleza, com sinceridade. Não têm cabimento as inibições. É errado pensar que os problemas se resolvem com omissões ou com adiamentos.
A prudência exige que, sempre que a situação o requeira, se apliquem os remédios, totalmente e sem paliativos, depois de se deixar a chaga a descoberto. Ao notardes os menores sintomas do mal, sede simples, verazes, quer tenhais de curar alguém, quer se trate de receberdes vós mesmos essa assistência. Nesses casos, deve-se permitir, a quem se encontra em condições de curar em nome de Deus, que aperte de longe e depois mais de perto, e mais ainda, até que saia todo o pus e o foco de infecção fique bem limpo.
Temos de proceder assim, antes de mais nada, conosco próprios e com os que temos obrigação de ajudar por justiça ou por caridade.
Rezo especialmente pelos pais e pelos que se dedicam a tarefas de formação e ensino.
Deus te abençoe!
Pe. Luiz Gildelane.
PELÁGIO E A CONFISSÃO
Conta-se na crônica de São Bento dum eremita, chamado Pelágio, que posto por seus pais a guardar os rebanhos, levava uma vida exemplar, de modo que todos lhe davam o nome de santo; e assim viveu por muitos anos.
Mortos seus pais, vendeu aquelas poucas coisas que ainda lhe ficavam e se fez eremita.
Uma vez, por desgraça, consentiu num pensamento de impureza. Caído no pecado, viu-se abismado numa melancolia profunda; porque o infeliz não queria confessá-lo, para não perder o conceito de santidade. Durante esta obstinação passou um peregrino que lhe disse:
- Pelágio, confessa-te, porque Deus te perdoará e recobrarás a paz que perdeste - desapareceu.
Depois disso resolveu-se Pelágio a fazer penitência de seu pecado, mas sem confessar-se, imaginando que Deus lho perdoaria sem a confissão. Entrou num mosteiro, onde foi imediatamente bem recebido por sua boa fama, e nele começou a fazer uma vida áspera, mortificando-se com jejuns e penitências.
Chegou finalmente a morte, e confessou-se por derradeira vez; mas assim como por pejo deixara em vida de confessar seu pecado, assim o deixou também na morte. Recebeu o Viático, morreu e foi sepultado no mesmo conceito de santo.
Na noite seguinte, o sacristão achou o corpo de Pelágio sobre o sepulcro; enterrou-o outra vez; mas, tanto na segunda como na terceira noite, achou-o sempre insepulto, de maneira que deu aviso ao abade, o qual, indo junto com os outros monges, disse:
- Pelágio, tu foste obediente em vida, obedece também depois da morte: dize-me da parte de Deus se é talvez vontade divina que se coloque teu corpo nalgum lugar reservado?
E o morto, dando um uivo espantoso, respondeu:
- Ai de mim, que estou condenado para sempre por uma culpa que deixei de confessar! Olha, abade, meu corpo.
E no mesmo instante apareceu seu corpo como um ferro ardente, que lançava horríveis faíscas de fogo, ao ponto que se puseram todos em fuga; mas Pelágio chamou ao abade, para que tirasse da boca a partícula consagrada, que ainda tinha. Feito isto, disse Pelágio que o tirassem da igreja e o lançassem para um monturo, e assim se fez.
Livro “Caminho Reto”, de Santo Antonio Maria Claret – Editora Ave Maria.
Deus te abençoe!
Pe. Luiz Gilderlane.
Quem ensina
“Quem ensina de outra forma e discorda das salutares palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, bem como da doutrina conforme à piedade, é um obcecado pelo orgulho, um ignorante, doentio por questões ociosas e contendas de palavras.” (S. Paulo, apóstolo – 1 Timóteo 6, 3-4
DEUS TEM A ÁGUA QUE NOS SACIA
DEUS TEM A ÁGUA QUE NOS SACIA
Nós cristãos, agraciados pelos carismas do Espírito, somos chamados a vivificar em obras os dons que recebemos de Deus. Essa manifestação dos carismas acontece das mais variadas formas, seja exercendo algum serviço na paróquia que frequentamos ou sendo referência e ponto de apoio em nossos lares (o que na maioria das vezes é o mais difícil).
Independente do “para que” fomos chamados, sabemos que o ato de servir está sujeito também à acomodação. Por consequência, surge o “qualquer jeito”. Sirvo de qualquer jeito, sou de qualquer jeito. Muitas vezes, nossos dons são sufocados pelo ritmo intenso das atividades diárias: faculdade, trabalho, projetos, entre tantas outras coisas. E acaba faltando tempo.
A primeira semente a não dar frutos é aquela que Deus nos deu. Falta-nos tempo para cultivá-la. Surge, por consequência, a justificativa de tantos irmãos: “não me sinto mais motivado, não é mais do mesmo jeito”. Com certeza não é! Não vivemos estagnados no tempo; Deus não age por conveniência, Ele age por necessidade. E a ação d’Ele surge quando você já fez a sua parte. Pela fé, crescemos no Senhor, no Seu amor. Vivemos em constante mudança esperando por Aquele que é perfeito.
“Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino.” (I Coríntios 13, 11)
Como você tem tratado o dom que recebeu? Tem buscado regar diariamente a semente lançada por Deus em você? Nenhum ser humano sobrevive sem água, nenhum dom é manifestado em sua plenitude sem perseverança, sem cuidado. É Jesus mesmo quem nos diz: “Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede: ‘Dá-me de beber’, tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva.” (Jo 4,10)
Deus tem essa água que nos sacia, Ele tem a motivação que precisamos. Então, agora cabe a nós pedir e ser saciados, ter Fé e manifestá-la em obras. É fácil? Impossível é que não é.
Rever nossos passos também é necessário. Algumas reflexões nos permitem identificar a erva daninha que teima em nascer ao nosso lado e sufoca os bons frutos que temos a dar. Não podemos nutrir a vida que Deus nos deu com pensamentos de “não é mais como era antes”, pois nunca vai ser, irmão. Vivemos em constante movimento, passivos às mudanças externas e internas, mas Deus continua vivo e presente em nossa vida; é Ele quem quer “fazer novo aquilo que você já faz ou fez”.
O primeiro a ser atingido pelo serviço que se exerce na Igreja é aquele que o faz. Se o faz bem, certamente a graça passará primeiro por ele. Não queira aparecer mais do que Deus, não busque reconhecimento, não use seus dons para se promover; mantenha sua essência, pois ela certamente é santa.
No livro “Words of inspiration”, o Beato João Paulo II diz: “Muitos sabem o que você faz e o admiram e o valorizam por isso. Mas a sua verdadeira grandeza está naquilo que você é. O que você é na essência talvez seja menos conhecido e pouco entendido. Essa verdade só pode ser compreendida à luz da nova vida, revelada em Cristo. Somente n’Ele você será uma nova criatura.”
É nessa certeza que devemos viver. Não paremos no tempo, cresçamos também no amor de Deus; bebamos dessa água viva que Ele nos oferece, alimentemo-nos da Eucaristia e da Palavra, busquemos a motivação diária que Ele está disposto a nos dar. “Pedi e recebereis”.
Deus tem sempre um novo a fazer em nossa vida!
Deus te abençoe abundantemente!
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