comentário Mc 3,31-35
Outro dia alguém
desabafou perto de mim "Tem muita coisa boa nesta vida, que a gente quer
fazer, mais contraria a Vontade de Deus, parece que os maus, aqueles que não
estão comprometidos com o Reino e nem frequentam Igreja nenhuma, são mais
felizes pois fazem o que querem nesta vida"
Quando
se fala na Vontade de Deus, dá-se a impressão de que Ele é um tremendo
estraga-prazer, que vai contra tudo o que é bom de fazer, e a vida de Fé nesta
terra até parece àquela competição de Cabo de Guerra, Deus puxa para um lado, e
o Ser Humano para o outro..."
Se
cristianismo fosse isso, nós cristãos seríamos os mais infelizes de todos os
homens, o primeiro homem Adão e a mulher Eva, viviam na plenitude da comunhão
com Deus, a finalidade para a qual Deus os criou estava em pleno acordo: eles
eram objeto do amor de Deus e viviam em um paraíso, que antes de ser um lugar
geográfico, é um estado de espírito do homem em sintonia com Deus Criador. Não
tinham e nem preconizavam ter nenhuma ambição, tudo o que um Ser humano deseja ser
nesta vida, realizando-se na plenitude do amor, nossos primeiros pais já
tinham, até que.....conheceram a possibilidade do mal e fizeram opção por
ele...
No
evangelho de hoje estamos diante do novo Povo que vai surgindo com Jesus, este
retorno á vida de comunhão com Deus vai custar a Vida do Verbo Encarnado, mas o
homem, que havia se perdido em si mesmo e não mais se achava, porque diante
dele só estava o Mal, agora terá a possibilidade de optar pelo Bem, este Bem
que está precisamente nas palavras e ensinamentos de Jesus, que por sua vez é a
Palavra de Deus.
O
retorno da humanidade aquele estado de vida inicial, passa por Jesus, aliás, só
Ele é o caminho que conduz ao Pai, e nem um outro. Até aí tudo bem mais, sendo
o homem um ser social, essa experiência de amor e de comunhão com Deus
manifestado em Jesus, só se torna possível na relação com o outro, e aí a
comunidade é o lugar por excelência, que nos conduz a esse paraíso, que não
está lá atrás, perdido no passado, mas está á nossa frente, motivando-nos a
caminhar sempre mais, alimentados pela Esperança que um dia transbordou do
coração de Deus Filho naquela cruz, e inundou toda a nossa vida, permitindo-nos
sonhar, desejar e alcançar essa plenitude feliz, que é eterna...
A comunidade de Jesus
Marcos
não tem nenhuma mariologia desenvolvida, o que virá nos escritos posteriores da
tradição cristã. Maria e os parentes de Jesus vão buscá-lo, pois eles também
pensavam que Jesus estivesse fora de si: "E voltou para casa. E, de novo,
a multidão se apinhou, a ponto de não poderem se alimentar. Quando os seus
tomaram conhecimento disso, saíram para detê-lo, pois diziam: está fora de
si" (Mc 3,20-21). Efetivamente, os que estão "do lado de fora"
(Mc 3,31) não podem compreender a missão e a identidade de Jesus.
Tudo
parece loucura. Os que ele reúne, os "que estão ao redor dele"
(3,34), são os que compreendem, e para eles as palavras e os gestos de Jesus
não só têm sentido, mas dão sentido à vida.
A
comunidade dos discípulos é caracterizada não mais pela descendência do sangue,
mas pela adesão à pessoa de Jesus Cristo, e pelo dinamismo da busca e
realização da vontade de Deus.
PROCURA INÚTIL?
A procura de Jesus, por
parte de sua mãe e irmãos, à primeira vista parece ter sido inconveniente e
inútil. Inconveniente, por ter acontecido numa hora em que o Mestre estava
rodeado por muita gente. Afastar-se, naquele momento, significava interromper o
ensinamento dirigido ao povo. Inútil, por que, para ele, os laços de sangue
tinham pouca importância. Logo, não havia motivo para dar-lhes um tratamento
especial.
Entretanto,
as coisas não foram bem assim. A chegada da mãe e dos irmãos de Jesus
serviu-lhe de motivo para dar um ensinamento de extrema importância: o
relacionamento entre os discípulos do Reino teria como ponto de referência a
prática da vontade do Pai. Esta seria a maneira pela qual deveria articular-se
o novo povo de Deus, para além de parentescos sangüíneos ou da pertença a este
ou aquele povo. Doravante, a submissão à vontade do Pai, explicitada nas
palavras do Filho, seria a forma de vincular-se ao Reino.
É
incorreto interpretar as palavras de Jesus como uma forma de desprezo aos seus
familiares. Se assim fosse, estaria indo na contramão da mais elementar piedade
bíblica, a qual incluía o respeito aos genitores como algo quase sagrado, e da
cultura judaica, fortemente alicerçada nas relações familiares.
Portanto,
a procura de sua mãe e de seus irmãos foi de grande utilidade para Jesus, pois
motivou-o a ensinar que os laços sangüíneos devem estar submetidos a algo muito
mais radical e abrangente: a fidelidade a Deus.