quarta-feira, 6 de março de 2013

“E VÓS QUEM DIZEIS QUE EU SOU?”





Chegando ao território de Cesaréia de Filipe, Jesus perguntou a seus discípulos: ‘No dizer do povo, quem é o Filho do Homem?’. Responderam: ‘Uns dizem que é João Batista; outros, Elias; outros, Jeremias ou um dos profetas’. Disse-lhes Jesus: ‘E vós quem dizeis que eu sou?’. Simão Pedro respondeu: ‘Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!’.” (Mt 16, 13-16)

É intrigante ouvir esta pergunta, porque me parece fácil a resposta. No entanto, retomando a história narrada na bíblia, consigo perceber que esta pergunta surge depois de alguns acontecimentos que intrigam o coração de Jesus.
Primeiro, os fariseus e saduceus lhe pedem um milagre para provar sua identidade, desejam lhe provar, e quando se pede uma prova, sabemos que há a possibilidade de que a pessoa seja aprovada ou reprovada, ou seja, ainda há a dúvida de que Jesus é Deus. Portanto, encontramos como primeira ofensa, a dúvida.
Segundo, os discípulos esqueceram de comprar pão. Ficaram preocupados demais com outras coisas, talvez banais, ou até muito importantes, mas esquecerem do vital, o alimento. Ficariam com fome? Os discípulos já estavam preocupados com isso. Então, Jesus lhes exorta a não se misturar com o fermento dos fariseus e saduceus que duvidam d’Ele. Tão preocupados estavam com o seu erro de não terem comprado o pão que ficam “surdos” ao que Jesus deseja realmente lhes dizer. Compreendem tudo em torno do seu próprio erro, não conseguem entender que Jesus vê além disso, os pães são importantes, mas não é vital. Os olhos de Jesus contemplam outra falta no coração dos seus discípulos e a condena, a falta de fé – “Homens de pouca fé!” – estavam talvez com medo de Jesus, medo de serem repreendidos, medo de ficarem com fome, e esqueceram-se de quem estava ao Seu lado e dos ensinamentos que já lhes havia dado.
Por este motivo, a compreensão do ensinamento de Jesus ficou deturpada, pela falta de abertura e excesso de preocupação com coisas secundárias, às vezes até importantes para nós, mas para Deus nós somos mais importantes do que o que precisamos. Mais interessa a Deus que sejamos salvos do que estejamos satisfeitos. Do mesmo jeito nossos pais fazem ao nos levar ao hospital e nos fazer, ainda crianças, tomar vacinas, gotinhas amargas, fazermos exames desconfortáveis. Ir ao hospital já é desconfortável para nós crianças, que estamos com o psicológico adaptado a “ser satisfeito”, “o mundo gira em torno de mim”, “o mundo está a meu dispor”. Assim fica muitas vezes o nosso coração diante de Deus, como corações de crianças imaturas, acreditando que o mais importante é o que achamos ser importante, e Deus deve se curvar a isso. Mas Jesus demonstra neste acontecimento que Seus olhos contempla além, e não vai permitir que sejamos enganados.
Terceiro, Jesus pergunta aos seus discípulos o que está sendo falado a seu respeito. Imaginemos agora – depois de ser posto a prova, de ver seus amigos esquecendo o que é importante, e por seu esquecimento ainda não compreender o que Ele fala – como estará o coração de Jesus? Enquanto Deus, eu não posso saber, mas como homem, posso imaginar o que Ele estava sentindo. Talvez fosse uma pergunta desabafo. Já cansado de ensinar e operar milagres, de anunciar o Reino do Céu, de perdoar, curar, libertar das opressões, ainda assim, passa por estes golpes de infidelidade e falta de fé. Talvez o coração de Jesus estivesse cheio de dúvidas: Meu serviço está gerando frutos? É isso mesmo que o Pai queria que eu fizesse? Estou conseguindo corresponder à minha missão? Tenho feito o trabalho direito? Eles estão crendo, verdadeiramente que Eu sou Deus?
Em meio a esta confusão, imagino que esta pergunta possa ter saído como um suspiro, posso ver até o semblante de Jesus, como quem se vira de uma vez, depois de um período em silêncio, caminhando com seus amigos, parando a frente deles e perguntando: No dizer do povo, quem é o Filho do Homem?
Nesta hora, penso que estava sobre a pergunta toda a necessidade do consolo presente no coração de Jesus. Ele precisava saber dos seus amigos se sua missão estava sendo concretizada, se estava conseguindo revelar o Pai através de si. E ninguém, depois de tantas decepções do dia, poderia lhes consolar com uma resposta sincera, mais que seus amigos.
Viver na comunidade implica nesta experiência. Nós vivemos juntos para cumprir um desejo e uma missão de Deus. Desejo de que sejamos santos e missão de que evangelizemos. Por isso caminhamos juntos. Nesta caminhada de partilha de vida, de problemas, de correções fraternas, de alegrias, conquistas e vitórias, um processo bem interessante vai acontecendo, a formação da identidade.
Ao nos confrontarmos com as pessoas entramos sempre em um processo de socialização que é natural da raça humana. Projeção, identificação, classificação e seleção. Vamos todos os dias nos deparar com pessoas e situações diferentes que vão nos mostrar quem realmente somos. Não é o “estar sozinho” que nos mostra quem somos, mas o “estar juntos”. É no confronto da minha verdade com a verdade do outro que me deparo com a diferença e a necessidade de uma transformação do que sou, para que o outro seja, e vice-versa. Na vida comunitária várias serão as situações que precisarão da minha decisão por ser melhor antes de ser “satisfeito” pessoalmente. Optar pelo bom, antes do prazeroso, optar pelo certo ante o mais fácil. É neste contato que o ruim que há em mim vai sendo dissipado, desconstruído para o que bom seja constituído em minha personalidade.
Além destes complexos processos, outros ainda se misturam, os afetos, o sentimento de amizade, o bonito processo de cativar, tornar-se responsável, lembrar do outro porque se aproxima a hora de vê-lo, criar expectativas de estar juntos, gostar de partilhar algo porque sabe-se favorecer a quem recebe. Tudo isso, Jesus viveu com os seus amigos. E depois de tanta experiência de amor, Ele sabia que ninguém melhor que eles saberiam lhe dar esta resposta.
E foi sincera, embora dolorosa a resposta que foi dada. O povo ainda tinha o coração duro, empobrecido, buscava justificar Jesus com sua razão e crendice, chamando-o de profetas já mortos.
Porém, depois de respostas dolorosas, de saber que o povo ainda não havia compreendido os sinais, Jesus precisa saber dos seus amigos, o que eles acham. Eles que tem comido, dormido, viajado, aprendido, discutido, partilhado de uma vida comum, poderiam pelo menos saber que Ele realmente era.
Então, penso eu, na esperança de uma resposta que fosse verídica, Jesus lança a pergunta aos seus amigos: “E vós quem dizeis que eu sou?”.
Neste momento, Pedro, o mais impulsivo, quase que sem pensar, mas crendo no que seus olhos viam, e seu coração contemplava, declarou, como um grande consolo ao coração de Jesus: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!”.
Eu imagino o quanto esta resposta deve ter soado doce no coração de Jesus, como um afago profundo em dor, como aconchego caloroso em noite de frio. Ao final de um dia repleto de solidão e sentimentos de insatisfação surge o consolo vindo daqueles que são seus amigos, e enfim, realmente O conhecem. Jesus deve ter se sentido amado na resposta vinda de Pedro, mas que representa todos os seus amigos.
Que bom, aqueles que convivem com Jesus sabem que Ele é filho do Deus vivo! Embora com suas falhas, Eles o reconhecem como Deus.
É bonito ver que no reconhecimento do outro, fruto da convivência a fé se constrói. Após a declaração de Pedro, Jesus profere uma declaração de fé e profere sobre Pedro sua missão de cuidar da fé.
É na vida comum que são revelados os corações e a vontade de Deus vai sendo construída. Na intimidade de um diálogo, na resposta a uma pergunta, no cuidado de um gesto de carinho, em um abraço na hora certa, um sorriso na chegada. Tudo isso vai compondo o bonito de viver juntos, e vai declarando que Deus se faz. Não são grandes coisas, mas as pequenas juntas que se tornam grandes. Jesus foi consolado pela declaração de Pedro e foi nesta hora que Pedro foi declarado chefe da Igreja que ainda iria se estruturar. Um ato comunitário de profissão de fé, e envio de missão, diante de todos os amigos juntos.

Edgar Nogueira Lima

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