É o inverso do nosso mundo. E é uma mensagem de amor. Deparamos novamente com a lógica de amor de um Deus que se rebaixa, e que se rebaixa ao máximo. Um Deus que se humilha. Encontramo-nos diante de um Deus que se faz pequeno e pobre, que ocupa o último lugar, o lugar de uma criança.
Deus manifesta-nos no mistério do Natal que a Sua entrega aos homens não tem limites. Está disposto a compartilhar as nossas necessidades e as nossas dores. Por isso oculta a glória da Sua divindade e Se faz presente num Menino. Escolhe livremente o caminho descendente para nos curar no mais profundo do nosso ser e nos atrair ao coração do Seu amor trinitário.
Isaías já havia anunciado a benevolência do Messias: “Ele não grita, nunca eleva a voz, não clama nas ruas. Não quebrará o caniço rachado, não extinguirá a mecha que ainda fumega” (Is 42, 2-3). A sua missão consistirá em “levar a boa nova aos humildes, curar os corações doloridos, anunciar aos cativos a redenção, e aos prisioneiros a liberdade” (Is 61, 1).
Jesus Cristo oferece a todos os homens o dom de uma vida nova, que consiste essencialmente numa nova amizade com Deus. Não exclui ninguém, por mais pobre e pequeno que seja. Mostra-se próximo dos afligidos e abatidos, dos enfermos e ignorantes, dos marginalizados e condenados: “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei” (Mt 11, 28). Os fracos e desprezados de todas as classes descobrem uma felicidade inesperada em Jesus. Acabou o tempo da solidão, da vergonha e da humilhação. Sentem-se acolhidos, sentem que lhes devolvem a dignidade que julgavam não mais poderem possuir.
Jesus faz-se amigo das crianças e dos pobres, e até se identifica com eles. A criança como que simboliza todos os que não se podem desenvolver sozinhos; o pobre representa aqueles que têm fome e sede, aqueles que estão encarcerados ou exilados. “Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25, 40). É um mistério impressionante que o próprio Deus – a Grandeza, a Beleza e o Poder absolutos – se oculte naquilo que é menor, mais débil, mais sofrido.
A LÓGICA DO AMOR
Nós, homens, costumamos admirar uma pessoa importante e grandiosa, mas também a tememos. Geralmente, é mais fácil amar alguém que seja fraco e que precise da nossa ajuda. Talvez seja esta uma das razões pelas quais Jesus Cristo se faz pequeno e vulnerável: quer entrar em comunhão conosco. Ensina-nos que a lógica do amor é diferente da lógica da razão ou do poder: amar é pôr-se ao alcance do outro.
Na sua passagem pela terra, Jesus perdoa os pecados daqueles que se arrependem; revela-nos ao mesmo tempo a alegria de Deus ao perdoar; mostra-nos um Deus que se “comove” com o nosso destino. A parábola da ovelha perdida, por exemplo, dá-nos a conhecer a felicidade do pastor que recupera o seu pequeno animal; não diz nada sobre o “estado anímico” da ovelha: quando a encontra, põe-na sobre os ombros cheio de alegria.
Na parábola da dracma perdida, Jesus leva-nos novamente para além da cena cotidiana. O desvalimento e a angústia da pobre mulher são uma imagem de outra dor, infinita: a “dor” do próprio Deus na sua busca pelo homem perdido. Por meio da protagonista da parábola, Jesus dá-nos a entender que Deus remove céus e terra para encontrar aquele que está perdido. E a alegria da mulher ao encontrar a sua moeda é a felicidade de Deus por ter encontrado o homem extraviado.
PAI MISERICORDIOSO
A história do filho pródigo expressa o mesmo fato com ainda mais clareza. Quando o pai vê o filho – andrajoso, fraco e imundo – voltar para si, corre a abraçá-lo, sem julgá-lo, sem censurá-lo, sem sequer dizer “Perdoo-te”. Só tem um desejo: recuperar o seu filho, viver em comunhão com ele. Esse desejo é mais forte que as feridas que o jovem lhe causou.
É assim o amor de Deus pelos homens. Desce dos céus para libertá-lo da sua culpa e da sua miséria. Não é o nosso amor a causa e a medida do perdão divino. É o amor misericordioso e absolutamente gratuito de Deus que provoca o nosso amor contrito e agradecido.
Quando Jesus Cristo inicia o seu ministério público, João Batista declara que não é digno de ajoelhar-se diante d’Ele para desatar a correia das suas sandálias. Mais tarde, uma mulher pecadora lava os pés do Messias com as suas lágrimas, e Maria de Betânia unge-os com um valioso perfume. Esses gestos, por menores que sejam, parecem adequados para o trato com um Deus que se fez homem, uma vez que são manifestação de muito respeito e de grande amor.
MESTRE QUE SERVE
Por outro lado, pouco antes da Paixão, vemos Jesus de joelhos diante dos apóstolos para lavar-lhes os pés. Ao invés de ser servido, agora é o Mestre quem serve os seus discípulos. Assim, dá-lhes a entender que o Reino prometido já chegou, o Reino em que o próprio Senhor “cingir-se-á, fá-los-á sentar à mesa e servi-los-á” (Lc 12, 37).
Mais uma vez encontramo-nos diante da lógica de amor de um Deus que se rebaixa ao máximo, que se humilha tomando o último lugar, o lugar do escravo. Na cultura judaica daquele tempo, era normalmente o escravo quem lavava os pés do seu senhor. “Eu estou no meio de vós, como aquele que serve” (Lc 22, 27).
Jesus – como se canta numa canção de Natal – veio “à terra para padecer”. Prestou-nos o máximo serviço com a Sua morte na cruz. Ali escutamos a última palavra do amor, se é que o amor consegue tê-la. Que Deus se tenha revelado definitivamente num crucificado é algo que contradiz todas as expectativas humanas. É “escândalo para os judeus e loucura para os pagãos” (1 Cor 1, 23). Deus pobre põe-se de joelhos como um simples criado; já crucificado, deixa-se atacar e injuriar. É um escândalo. É o inverso do nosso mundo. E é uma mensagem de amor.
Jesus revela um Deus que se oculta na pequenez, se rebaixa à fraqueza completa e se deixa vencer. A sua descida inicia-se quando toma a natureza humana, manifesta-se claramente no lava-pés e culmina na Paixão e na Morte. “Vimos a sua glória” (Jo 1, 14), exclama São João, referindo-se principalmente à gloria da cruz. A glória de Deus é o amor.
É a humilhação de Deus por amor ao homem (kenosis, em grego) na Paixão aquilo que começa a exaltar Jesus (cf. Jo 12, 32). Assim se cumpre em Jesus o paradoxo de todo o amor autêntico: aquilo que mais engrandece uma pessoa é a entrega e a diminuição de si mesmo pelo bem do outro.
GLÓRIA A DEUS NO CÉU E NA TERRA
Dar glória a Deus nas alturas, como cantam os Anjos em Belém, mas também na terra, não é simplesmente um jeito de falar, mas um jeito de viver. Deus convida-nos a um estilo de vida completamente novo: convida-nos a entrar no seu Reino, não apenas depois da morte, mas aqui e agora. Para aqueles que compreendem este chamado, a união com Cristo chega a ser mais importante do que qualquer outra coisa. Um breve episódio ilustra-o de modo gráfico. Certa vez, perguntaram a um pároco: “Quem é aquele senhor que acaba de sair da igreja?”. O pároco respondeu: “É um dos meus filhos mais velhos que vive em comunhão com Deus e que, além disso, é sapateiro”.
Viver com Deus é uma experiência libertadora; é como se uma pessoa tivesse atravessado o Mar Vermelho, caminhado da escravidão para a liberdade. Tem agora uma nova consciência de si mesma, sente um grande alívio e um amor que satisfaz os desejos mais profundos do seu coração. O homem não se contenta com soluções passageiras. Não quer viver cem anos, mas para sempre. Não quer ser um pouco feliz, mas plenamente. O único caminho para alcançar essas coisas é a comunhão com Cristo.
Uma pessoa livre sabe também libertar os outros. Estimula a vida dos que lhe foram confiados e ajuda-os a crescer segundo o ritmo próprio de cada um.
Não é verdade que a fé na vida eterna torne a vida terrena insignificante. Pelo contrário, a nossa vida sobre a terra só é grande e valorosa quando a sua medida é a eternidade. Estamos chamados a viver numa comunhão íntima com Deus e com os outros homens, convertendo assim toda a nossa existência num louvor ao Criador. Dessa maneira, podemos antecipar a realidade do Reino de Deus. Em outras palavras, nossa vida é como que um “ensaio geral” daquilo que faremos por toda a eternidade: é deixar transparecer o amor, a bondade e a misericórdia divina.
Não se trata de uma relação externa entre a terra e o céu, tal como a entenderia uma criança que começa a aprender o catecismo: “Se cumprires a vontade de Deus neste mundo, receberás um prêmio no outro”. Há na verdade uma conexão interna e necessária entre a nossa atuação aqui e a nossa atuação lá. Uma pessoa que não se fez nesta vida “louvor da sua Glória” seria um corpo estranho no céu.
Convém estarmos preparados para a “apresentação final”, quando se realizará plenamente o plano criador de Deus. Não devemos ser apanhados de surpresa pelas atividades que nos ocuparão na outra vida. Por isso é muito importante dar-nos conta de que as coisas que nos acontecem constituem um espaço para a conversa com Deus a cada momento. Dar glória ao Senhor na terra é descobrir e comunicar, aqui e agora, a felicidade do céu: “Louvamos sempre o vosso Nome, por todos os séculos dos séculos”, rezamos no Te Deum.
O sentido do mistério de Belém, da encarnação de Deus Filho que se fez uma criancinha desvalida, poderia ser resumido assim: “Deus chama-nos à sua própria bem-aventurança” (Catecismo da Igreja Católica, n. 1719). Por isso, o Anjo diz aos pastores: “Não temais, eis que vos anuncio uma boa nova que será alegria para todo o povo” (Lc 2, 11).
Nenhum comentário:
Postar um comentário